O dia em que deputados suecos aceitaram viver uma semana com a renda de um aposentado

Por Claudia Wallin

“Chegou a vez dos políticos roerem o osso”, leio certo dia na primeira página do Veteran, o jornal da combativa organização nacional dos idosos da Suécia. Explica-se a euforia: quatro deputados do Parlamento haviam aceitado o desafio de sobreviver durante uma semana com o magro orçamento de um aposentado.

Em se tratando de inigualável espetáculo com garantida produção de endorfinas, decidi juntar-me à legião de idosos que passou a acompanhar avidamente, nas redes sociais dos deputados, os sete dias de agruras do poder.

O entretenimento político aconteceu no último inverno, e volta à minha mente neste momento em que o inovador Governo brasileiro se prepara para enviar ao Congresso a proposta de aposentadoria aos 65 anos para homens e mulheres.

“A ideia é mostrar aos parlamentares, de maneira clara e concreta, como é difícil a realidade dos grupos mais vulneráveis de aposentados de baixa renda em nossa sociedade”, anunciou na época Christina Rogestam, presidente da organização nacional de idosos, a SPF Seniorernas.

Criou-se rapidamente uma hashtag para o desafio – #levsompensionär, ou #vidadeaposentado. Uma das primeiras postagens veio da deputada Solveig Zander (do Partido do Centro, o Centerpartiet), em sua página no Facebook:

“Estou com fome agora, depois de quase quatro horas no plenário. Comi um mingau no café da manhã. Se não estivesse vivendo como um aposentado, eu iria agora ao restaurante do Parlamento. Mas a refeição lá custa 86 coroas suecas (cerca de 38 reais). Vou ter então que sair para achar algo mais barato”.

Um dia antes da maratona, foi dado a cada deputado um envelope com uma quantia máxima para viver durante a semana. Os quatro intrépidos deputados que aceitaram o missão integram a Comitê de Seguridade Social do Riksdag (o Parlamento sueco), e três deles também fazem parte da comissão parlamentar responsável pelas regras do sistema de aposentadoria.

“É o que sobra em média no bolso dos aposentados de baixa renda depois que eles pagam as contas do mês, como aluguel, condomínio e telefone”, disse uma funcionária da organização nacional de idosos, ao distribuir os envelopes com o dinheiro para cobrir as despesas da semana dos deputados com alimentos, transportes – e imprevistos.

Parlamentares recebem envelopes com o dinheiro para passar a semana

 

 

 

 

 

 

 

Os valores variaram: Solveig Zander e a deputada social-democrata Carina Ohlsson receberam 1,2 mil coroas suecas – soma equivalente ao orçamento semanal de um marceneiro aposentado após 45 anos de trabalho.

A Lars-Arne Staxäng, do conservador Partido Moderado, foi reservado o orçamento médio de uma funcionária aposentada do sistema de saúde, que trabalhou durante 40 anos: 1,050 coroas suecas semanais. Fredrik Lundh Sammeli, do partido social-democrata, levou a mãe dos desafios: sobreviver com 800 coroas por semana, como faz por exemplo um idoso de baixa renda a quem o Estado garante benefícios como auxílio-moradia.

Vamos comparar: um deputado do Parlamento sueco ganha aproximadamente 50% a mais, em termos líquidos, do que um professor do ensino fundamental na Suécia. O valor bruto do salário de um parlamentar é atualmente de 62,4 mil coroas suecas (cerca de 27,6 mil reais) – um salário que não é turbinado com penduricalhos e benefícios de nenhuma espécie, nem verbas indenizatórias.

“Vai ser muita salsicha e morcela (espécie de chouriço feito com sangue coagulado), se eu quiser vencer o desafio”, postou o deputado Lars-Arne no Facebook.

Facebook do deputado Lars-Arne Staxäng: salsichas e morcela

 

 

 

 

 

 

 

A fim de conferir maior dose de realidade ao evento, todos os dias os idosos enviavam uma mensagem de texto aos deputados, com um desafio extra imposto pelos imprevistos do cotidiano. Alguns exemplos: Hoje você precisa trocar os óculos de grau”, “Sua tia de 90 anos quer saber se você vai contribuir para a festa dela”, e “É hora de separar dinheiro no orçamento para comprar o presente de Natal dos netos”.

A criatividade reinou: houve deputado apelando para liquidações online em óticas de preço baixo, e outros procurando brechós diante do desafio de um SMS sobre a inadiável necessidade de um novo casaco para o atemorizante inverno sueco.

Nas redes sociais, o entusiasmo se misturava com um certo desdém: “Quem pode ficar em pé comendo apenas dois ovos no almoço?”, espetou um tuiteiro em resposta à foto de uma deputada mostrando o almoço frugal do dia.

 

Amoço: dois ovos
Amoço: dois ovos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ao final dos sete dias, a missão foi cumprida com galhardia pelos parlamentares, que passaram a relatar suas impressões sobre o choque de realidade.

“Descobri o que é viver constantemente procurando o leite mais barato, o ovo mais barato, a banana mais barata”, disse o deputado Fredrik Lundh Sammeli, que recebeu o mais baixo dos quatro orçamentos.

“Percebi mais claramente o risco de má nutrição entre os idosos, diante da busca constante por alimentos mais baratos. Também me chamou a atenção o fato de que, por questões financeiras, os idosos deixam de ter um maior convívio social, aprofundando assim o seu isolamento”, completou ele.

Prometeram-se mais providências:

“Precisamos trabalhar mais para aumentar a segurança financeira dos idosos de baixa renda, abolir a tributação sobre os rendimentos de aposentadoria, aumentar os subsídios para habitação e reduzir o desemprego em geral”, destacou a deputada Carina Ohlsson.

Todos parecem convencidos de que seria necessário aumentar o nível das aposentadorias entre 500 coroas suecas e mil coroas suecas por mês.

“A questão está sobre a mesa”, disse o parlamentar Lars-Arne Staxäng. “Mas é preciso constatar que isso custaria aos cofres públicos mais de 20 bilhões de coroas suecas.”

Atualmente, a idade mínima para receber a aposentadoria pública na Suécia é de 61 anos. A lei permite que os trabalhadores que assim desejarem possam manter seus empregos até os 67 anos de idade.

A organização nacional de idosos suecos não vai oferecer tréguas.  A SPF Seniorernas reúne cerca de 270 mil membros, atuantes em mais de 820 diferentes associações da terceira idade, e é uma entidade de referência no debate sobre políticas públicas relacionadas aos idosos: participa das deliberações na Comissão Parlamentar sobre Aposentadorias, mantém reuniões frequentes com os partidos políticos e defende os direitos dos idosos junto a diferentes autoridades públicas em áreas como saúde, habitação e economia.

“Infelizmente, não tivemos recursos para realizar o desafio aos parlamentares durante um mês. Mas acreditamos que uma semana tenha sido suficiente para os políticos perceberem o que é a vida de um aposentado de baixa renda”, disse a porta-voz da organização nacional dos idosos.

4 de Setembro de 2016

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