Por Claudia Wallin, para a BBC Brasil
A sueca Dagny Carlsson nasceu em 1912. “No mesmo ano em que o Titanic afundou”, ela faz questão de lembrar. Achava que já tinha visto de quase tudo na vida, desde as duas guerras mundiais até à invenção das máquinas modernas. Mas quando fez 93 anos de idade, Dagny conheceu um computador de perto. E aos cem, resolveu que era hora de lançar o seu próprio blog.
Agora, aos 104 anos, Dagny Carlsson ganhou status de celebridade: ela é provavelmente a blogueira mais velha do mundo, e seu blog já contabiliza mais de 1,6 milhão de visitantes.
“Os idosos não são tão estúpidos como a sociedade pensa. É preciso mudar esse conceito. As pessoas mais velhas são tratadas, em geral, ou como se fossem crianças, ou como se fossem idiotas. Dizem aos idosos, ‘você não entende isso’, ‘meu velhinho’ e coisas assim. Eu digo que os idosos merecem mais respeito”, diz Dagny Carlsson à BBC Brasil, no escritório onde diariamente atualiza seu blog.
“Bojan”, como ela prefere ser chamada, diz que ouve com certa dificuldade, e dá um tapinha no discreto aparelho de audição para deixar claro que é preciso falar mais alto com ela. Mas nada mais parece indicar que ela vive há mais de cem anos. Lúcida, ágil nos movimentos, Dagny emana vitalidade. E só precisa de óculos para ler de perto.
Seu primeiro computador, usado, foi dado a ela pela irmã mais nova, que tinha na época 85 anos de idade. Ainda não havia cursos de computador para idosos, naqueles idos de 2005.
“Mas assim que criaram um curso, me matriculei. A professora não conseguia acreditar nos próprios ouvidos, quando disse a ela que tinha 99 anos”, conta Dagny.
De aluna, ela passou a ser instrutora do curso, durante um ano. E seu blog nascia.
“Bem-vindo ao meu blog: sou uma idosa determinada, que gosta de quase tudo. Pode ser uma ópera, mas também pode ser só um papo sobre coisas divertidas ou difíceis. Prefiro as coisas divertidas. As pessoas dizem que eu tenho humor, e que sou bastante franca”, diz “Bojan” na página de abertura do blog.
Dagny também quer ser uma voz para os idosos.
“Porque os idosos são muito calados em nossa sociedade, e porque quando falam, ninguém se importa com o que dizem. Só se importam com o que eu digo porque me tornei famosa”, ela diz, levantando-se para mostrar o prêmio de Idosa do Ano e um troféu recebido por um canal da TV sueca.
“O maior desafio do ser humano é superar seu próprio medo”, acrescenta ela.
Diz o trecho de um de seus posts:
“Sou incrivelmente velha, mas não me sinto velha. Quero ser tratada como qualquer pessoa. Não como um fóssil. Com certeza, há muitas pessoas como eu. Deveríamos ir para as ruas e protestar alto, como fazem os jovens, e exigir que as pessoas nos ouçam. Desafio todos os idosos: sejam mais assertivos!”
A diferença entre o passado e o presente é outro tema recorrente do blog de “Bojan” – e um dos mais populares. Como no post em que ela faz conta como era a vida sem telefone.
“Hoje em dia, qualquer criança tem um telefone celular. Quando eu era criança, poucos eram os que tinham um telefone. As pessoas se falavam através de cartas. Quando alguma coisa urgente acontecia, elas iam a uma estação telefônica. Nessas estações havia, em geral, duas cabines de telefone. Era preciso pedir a ligação a uma telefonista, e esperar algumas horas até conseguir obter uma linha. Se a pessoa com quem se queria falar não tivesse telefone, a telefonista tentava ligar para a casa de um vizinho, e pedir para chamá-lo. E custava caro. Então, ninguém ligava sem necessidade. Hoje eu tenho um celular e um telefone sem fio.”
Estrela de um documentário recente da TV pública sueca sobre os desafios do envelhecimento, Dagny Carlsson também relata em seu blog as viagens de trem que faz a cidades suecas onde nunca esteve, além de cenas do cotidiano.
“Recebo comentários de pessoas de Washington, Canadá, Austrália, Holanda, Bélgica, França, Noruega e Finlânda”, ela conta.
Do Brasil, “Bojan” tem uma vaga referência.
“É o país do Cristo, de braços abertos sobre o mar”, responde ela. “Não é lá que o povo dança tango?”
“Bojan” levanta-se e caminha com passos rápidos pelos cômodos do apartamento de 99 metros quadrados onde mora há 35 anos em Solna, subúrbio da capital sueca. Aqui Dagny viveu com o marido Harry, que completou 91 anos antes de falecer, em 2004. Desde então “Bojan” vive sozinha. Não teve filhos, mas ocasionalmente recebe a visita de dois sobrinhos – um de 70 anos, e outro de 65 anos de idade.
“O que não falta é espaço”, ela diz, enquanto mostra a sala de estar, a cozinha, o quarto de dormir, a sala de jantar e o escritório. É lá que fica o computador.
“É aqui que eu passo várias horas por dia, escrevendo. Há muitos assuntos para falar”, ela diz, enquanto os dedos deslizam com agilidade pelo teclado do computador.
É a própria Dagny que cozinha, lava roupa, arruma e casa e faz as compras do supermercado, onde vai a pé em uma caminhada que dura 15 minutos. Uma vez por mês, uma diarista cuida da limpeza mais pesada.
“Uma empresa de alimentos quer que eu faça propaganda para eles, então eles têm me mandado refeições congeladas há uns oito dias seguidos”, ela conta.
Mas Dagny diz que colocou tudo no congelador, e nunca usou.
“Enquanto puder, vou continuar a cozinhar minha própria comida. Porque sei que vou gostar do que vou comer. E só como husmanskost (pratos tradicionais da cozinha sueca, à base de carnes com molhos cremosos, batatas e peixe)”.
Talvez o segredo de tamanha vitalidade, ela pondera, esteja nos “bons genes”:
“Mas acho que o principal é manter a curiosidade pela vida. As pessoas ficam velhas quando páram de ter curiosidade sobre as coisas. Então, se depender de mim o blog não vai ser a última coisa nova que eu vou experimentar na vida. Por falar nisso, acabei de comprar um iPad”.
Quando era jovem, ela queria ser escritora.
“Mas eu tinha uma auto-estima muito baixa. Por quê? Porque a maioria das crianças era assim. Naquela época, crianças tinham que ser criaturas obedientes e silenciosas, e não podiam achar que eram grande coisa. E era difícil, para todos, conseguir estudar”.
Quem não tinha dinheiro, na Suécia de antigamente, não tinha acesso à educação.
“Estudar custava caro. O ensino básico era gratuito, mas quem quisesse continuar os estudos tinha que pagar do próprio bolso. Hoje, os estudantes recebem subsídios do governo para estudar gratuitamente, até o fim da universidade”, observa Dagny, que fez carreira como funcionária pública.
O passado, ela constata, não era melhor que o presente.
“Absolutamente não. Hoje a vida é infinitamente mais fácil. Naquela época, não havia máquinas, não havia geladeira. E não existia aspirador de pó.”
O que é melhor hoje?
Na morte, ela não pensa:
“Não, não estou minimamente interessada na morte. Também não faz sentido nenhum ter medo da morte, já que ela é inevitável. Tenho medo é de guerra. Já vi duas guerras mundiais. E veja só o que está acontecendo na Síria.”
24 de Julho de 2016