Na Suécia, igrejas pagam impostos

Por Claudia Wallin
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Grandes coisas fez o Senhor pelos pastores do Brasil no ano da graça de 2015, e por isso eles estão alegres.
Pois assim disse a eles a Nossa Senhora da Perpétua Isenção Fiscal: vinde a mim, e eu vos aliviarei. E no quinto mês, Eduardo Cunha das Mercês e sua falange evangélica afastaram de vez das igrejas o demônio dos impostos que agora só atormenta os ímpios, aleluia.  Desgraçados são os profanos suecos – ó homens de pouca fé! -,  porque deles o tinhoso continuará a cobrar o seu quinhão.
“É claro que pagamos impostos”, diz a pastora sueca Ulla Marie Gunner, com a naturalidade com que um Malafaia pede o cartão de crédito de um fiel.
“Jesus já disse: ‘dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’”, recita instantaneamente a pastora na igreja evangélica Immanuelskyrkan (Igreja de Emanuel), no centro de Estocolmo.
Ainda que eu falasse a língua dos anjos, não conseguiria explicar a Ulla Marie como foi que Eduardo Cunha conseguiu abrir o mar regimental do Congresso para a travessia do seu “jabuti”: a emenda da isenção tributária às igrejas foi incluída – na surdina – na MP 668, que tratava originalmente do aumento de impostos sobre produtos importados.
O milagre do imposto zero foi testemunhado por multidões paralisadas em um transe coletivo, conto à pastora. Ao som das harpas dos querubins, os pastores se regozijaram com a caridade dos congressistas e do povo, sempre de joelhos. Com Deus e Cunha no comando, revelo à incrédula religiosa sueca, foi criado no Brasil o 11.o mandamento: “Nada se Pagará”.
É uma graça que não alcança os homens de boa fé da Suécia.
Como qualquer pastor sueco, Ulla Marie Gunner paga impostos sobre o salário e qualquer tipo de benefícios que recebe da igreja – incluindo casa, carro e eventuais ajudas de custo. E como toda igreja sueca, a Immanuelskyrkan é taxada pelo Leão por qualquer renda que não seja empregada para fins estritamente cristãos.
“E isso é o certo. A igreja deve ser parte da sociedade, e não uma entidade à parte, distanciada dos fiéis e da contribuição para o bem-estar coletivo”, diz a pastora.
Vou em busca de informações no Skatteverket, o Leão sueco, que afirma: só não há impostos sobre os imóveis ocupados pelos templos, e até o dinheiro das doações dos fiéis pode ser tributado – caso seja utilizado em benefício dos pastores, e não dos crentes.
“Se o pastor investir o dinheiro dos donativos em ações ou aplicações, terá que pagar impostos sobre os rendimentos, caso tais ganhos não sejam aplicados em atividades religiosas”, pontua Gunilla Landmark, analista fiscal do Skatteverket.
“Se o pastor ou a igreja comprarem uma fazenda, um hotel ou qualquer outro negócio com capital obtido através de doações de fiéis, também terão que pagar impostos. Se comprarem um imóvel ou um negócio no exterior, também pagarão impostos”, prossegue Gunilla.
O raciocínio sueco é o oposto do credo brasileiro: a Igreja, assim como também qualquer outra entidade sem fins lucrativos, paga impostos ao Estado.
“A premissa básica é a seguinte: todos, em uma sociedade, têm que pagar impostos e ser tratados de maneira igualitária. Tanto as igrejas, como os rebanhos”, resume a analista da autoridade fiscal sueca.
Não se pode controlar cada krona (coroa sueca, a moeda nacional), ela diz. Mas a autoridade fiscal detém, segundo Landmark, um eficiente sistema para verificar se as igrejas e os pastores estão fazendo o que devem.
“As igrejas devem comprovar que estão utilizando o dinheiro especificamente em obras de caridade e atividades afins”, diz Gunilla Landmark. “Se o dinheiro for empregado para fins religiosos, as igrejas podem ter certas deduções fiscais. Caso contrário, pagam impostos integrais”.
Na centenária Immanuelskyrkan, que congrega tradições batistas, calvinistas e metodistas, a pastora Ulla Marie confirma:
“Se servirmos café aos fiéis, ou ganharmos dinheiro de qualquer outra forma, temos que pagar impostos”.
Os tempos são outros: na Estocolmo dos anos 20, a hoje abastada Igreja de Emanuel era uma pobre congregação.
“Naquela época, muitos fiéis doavam porcos ou alimentos”, conta Ulla Marie. “Até a década de 60, nossa igreja vivia apenas dos donativos, e os pastores tinham que trabalhar o tempo todo para tentar obter doações dos fiéis”.
A partir dali, deu-se uma reviravolta – em vez de pedir dinheiro aos fiéis para suas atividades religiosas e de caridade, a Immanuelskyrkan resolveu entrar no mundo dos negócios.
“Várias congregações menores haviam se juntado a nós, ao longo dos anos, e todas tinham seus próprios bens. Aos poucos, fomos idealizando diferentes atividades, e hoje administramos um hotel, assim como diversos imóveis”, diz a pastora.
Estamos a poucos passos do hotel da congregação, o Birger Jarl. É um quatro estrelas, com mais de 270 quartos, no centro nobre de Estocolmo.
DCM.Foto.Hotel.Birger.1
Para Ulla, gerir este e outros negócios é uma maneira bem mais eficiente de obter recursos, a fim de beneficiar as obras sociais da igreja:
“Somos hoje uma igreja muito rica, até porque somos muito bons administradores. E pagamos impostos por isso.”
A igreja de Ulla também possui asilos de idosos, assim como acomodações para estudantes. A Immanuelskyrkan recebe ainda contribuições da Prefeitura para gerenciar parte de suas obras sociais.
“Mas pagamos impostos por isso”, frisa a pastora. “Como pastores, temos ainda a possibilidade de viver em apartamentos de nossa igreja. Mas também somos taxados por isso.”
Vamos comparar: no Brasil, a fonte de renda das igrejas inclui, além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis, a venda de bens e serviços e os rendimentos com ações e aplicações. É uma arrecadação bilionária, que apenas em 2011 representou R$ 20,6 bilhões. Só em benefícios fiscais, as organizações religiosas brasileiras recebem cerca de R$ 4 bilhões anualmente. Também não há tributação sobre ajudas de custo, como moradia e transporte para os pastores.
Com o “jabuti” de Cunha, os profissionais da fé ficaram livres da cobrança de impostos sobre as “comissões” que ganham por recolher mais fiéis, e mais dízimos. Muitos pastores recebem um salário baixo, que é tributável – o grosso vem por fora, com as “comissões” que, a título de ajuda de custo, chegam aos 100 mil reais. Sob as bênçãos do Congresso, as igrejas evangélicas poderão ainda conseguir a anulação de autuações fiscais que passam de 300 milhões de reais.
Na Suécia, só Jesus salva os pastores. Assim como no Brasil, qualquer pessoa pode abrir uma igreja aqui. Mas o primeiro ato obrigatório é registrar a congregação no Kammarkollegiet: trata-se da mais antiga autoridade pública do país, criada, nos idos de 1539, quanto o rei Gustav Vasa decidiu estabelecer uma agência dedicada a lidar com a coleta de impostos no reino.
“Uma vez registrada, a igreja recebe um código fiscal, que é repassado automaticamente a todas as autoridades fiscais”, diz Stefan Berg, um dos gerentes do Kammarkollegiet.
Pergunto à pastora Ulla Marie se ela considera os impostos excessivos, em se tratando de igrejas.
“A Igreja deve assumir suas responsabilidades na sociedade em que atua. Como cristãos, não podemos nos distanciar de nossas obrigações sociais e dizer, ‘não temos nada a ver com isso’”, acentua a pastora.
Poderá o Cristo Redentor, diante de tal revelação terrena, fechar os braços e bater palmas sobre a Guanabara.
Até lá, fica reproduzida abaixo uma mensagem natalina especial para os delegados da Receita Federal.
São falas cristãs extraídas de um vídeo que circula na internet, e que pode ser acessado aqui: https://www.facebook.com/emersonbhmg/videos/817050975081568/
Mensagem do Do Pastor Valdomiro – “O Trízimo”:
“No mês de dezembro, você não vai devolver só o de Deus, os 10%. Você vai dar 20% do seu, você vai ser fiel. Você vai tirar 30%, e vai falar assim, ‘Senhor, representando a Santíssima Trindade – o Pai, o Filho e o Espírito Santo”
Do Pastor RR Soares – “O Dízimo no Débito Automático”:
“Eu estou pedindo às pessoas que têm conta, que façam a opção de em vez de ir ao banco depositar, para descontar direto da conta. É mais fácil, vai dar menos trabalho para você. Porque o diabo consegue às vezes fazer com que nós esqueçamos deste compromisso”
De Marco Feliciano – “Dízimo em cheque, cartão de crédito ou jóias”:
“Seus filhos que acreditarem na oração deste profeta, e tiverem coragem de pegar dinheiro, cartão de crédito, jóias e ofertarem nesta noite (…) Ah, pastor, mas eu não sei o que fazer com o meu dinheiro! Esse problema não é seu. Esse problema é da igreja”
Do “Bispo” Edir Macedo, em reunião com seus pastores – “Como tomar dinheiro mais fácil”:
“Você nunca pode ter vergonha, timidez. Peça! Peça! Quem quiser dá. E se alguém não der, tem um montão que vai dar. Tem que ser no peito e na raça. Bota pra quebrar.”

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