O jeito escandinavo de lidar com mau uso de dinheiro público

Claudia Wallin

De Estocolmo

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Quem lê o noticiário político da Escandinávia, encontra evidências comprobatórias de que Eduardo Cunha e seus yahoos do Congresso dariam um rim para viver longe do exótico conceito nórdico de democracia.

Os fatos recentes: um dia depois de cidadãos terem denunciado à polícia o Ministro da Defesa da Dinamarca, Carl Host, ele renunciou ao cargo. Agora, diante de novas acusações sobre mau uso do dinheiro público, Holst acaba de afastar-se também – voluntariamente, e sem ser empurrado – de sua cadeira no Parlamento dinamarquês.

Na Dinamarca, assim como na Suécia, qualquer cidadão pode fazer uma denúncia criminal na polícia contra qualquer político. Nestes estranhos países, onde a ideia de que todos são iguais perante a lei não é tratada como um mero verso da Constituição, políticos acusados de práticas ilícitas não têm o privilégio da imunidade parlamentar ou do foro privilegiado – e todos têm a decência de afastar-se dos cargos, diante de qualquer acusação grave, até prova em contrário.

O enredo da queda do ministro Carl Holst na Dinamarca mais parece uma fábula infantil, se comparado aos escândalos dos Cunhas do Brasil.

Mas o olfato dos vigilantes dinamarqueses indicava que havia algo de podre no reino: Holst continuava a receber salário como presidente da região administrativa da Dinamarca do Sul, apesar de ter renunciado ao cargo no fim de junho deste ano para assumir o posto de ministro da Defesa.

Se mantido, o salário anual de 833,040 coroas dinamarquesas (cerca de 444,6 mil reais) que Holst recebia da região administrativa, somado aos vencimentos anuais de 1,2 milhão de coroas (660 mil reais) pela função de ministro, daria ele uma renda invejável de aproximadamente 300 mil dólares por ano.

Acuado pela pressão popular contra o duplo salário, revelado semanas após sua posse, o ministro abriu mão dos vencimentos da região da Dinamarca do Sul.

No fim de setembro, porém, Carl Holst começou a caminhar na prancha do navio: com horror, os dinamarqueses descobriram que Holst havia usado um assessor da região administrativa da Dinamarca do Sul para trabalhar na sua campanha eleitoral para o Parlamento – em patente violação às regras de uso do dinheiro público.

“Foi descoberto que o assessor chegou a trabalhar metade do seu expediente, na região da Dinamarca do Sul, prestando assessoria à campanha de Holst. Ou seja, Holst usou ilegalmente o dinheiro dos contribuintes da Dinamarca do Sul, que pagavam o assessor exclusivamente para trabalhar em atividades da região”, disse em Copenhague o jornalista político Matin Kaai, do jornal dinamarquês Jyllands Posten, em entrevista por telefone.

“Na Dinamarca, o financiamento de campanhas eleitorais é majoritariamente público, e cada político já recebe, segundo as regras desse financiamento, 25 coroas dinamarquesas (cerca de 13,5 reais) por cada voto obtido na eleição anterior”, acrescentou Maati.

A nova revelação contra Carl Holst levou três cidadãos dinamarqueses a protocolarem uma denúncia contra o ministro na Polícia. Um dos cidadãos, Jimmy Rasmussen, explicou por quê:

“Quando um cidadão comete um ato ilícito, ele é punido. Portanto, quando um político usa seu cargo de maneira imprópria, ele também deve ser punido. Foi por isso que eu denunciei o ministro à polícia”, disse Rasmussen em entrevista ao jornal dinamarquês Jydske Vestkysten.

Um dia depois das três denúncias dos cidadãos à polícia, o ministro Carl Holst anunciou sua renúncia.

DCM.Foto.Carl.Holst.1

“Devo admitir que episódios relacionados à minha gestão na região da Dinamarca do Sul ofuscaram a minha oportunidade de fazer a diferença no cargo de ministro. Esses casos também passaram a ofuscar o trabalho do governo, o que é algo que eu não desejo”, disse ele em comunicado oficial.

De volta à sua cadeira no Parlamento, Carl Holst levaria a pedrada final em novembro: durante a gestão de Holst, segundo revelações do jornal Fyens Stiftstidende, a administração da Dinamarca do Sul havia alterado uma fatura para esconder o fato de que um consultor recebera pagamentos para escrever artigos e discursos para o então presidente da região administrativa.

Carl Holst também havia usado fundos da região administrativa para pagar por suas aulas particulares de inglês.

Para os estômagos dinamarqueses, isso já era corrupção demais.

É por isso que Carl Holst acaba de anunciar agora seu afastamento também do Parlamento, até que se prove – ou não – sua inocência:

“A atual situação de instabilidade afeta não apenas o meu trabalho como político, mas também a imagem do meu partido (o partido liberal Venstre)”, capitulou Holst.

Ao contrário da Suécia, onde nenhum político tem direito a imunidade parlamentar, a Dinamarca ainda mantém, nas regras regimentais do Parlamento, a cláusula histórica que tinha a finalidade de proteger os deputados de eventuais perseguições políticas.

“É uma reminiscência dos tempos em que ainda estávamos desenvolvendo a nossa democracia”, diz o jornalista dinamarquês Matin Kaai.

Na prática, porém, a imunidade parlamentar já foi há tempos enterrada.

“O Folketing (Parlamento dinamarquês) sempre alcança um amplo acordo político, para suspender a imunidade de um deputado acusado de atos impróprios. E o acusado sempre se afasta voluntariamente de suas funções”, pontua Kaai.

 

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