Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo
A partir de agora, diversos integrantes da Autoridade Nacional de Saúde Pública da Suécia (Folkhälsomyndigheten) passam a atuar sob proteção policial: a decisão foi tomada diante da escalada de episódios de ameaças de morte dirigidas contra funcionários da agência, que é o órgão responsável pela controversa estratégia sueca de combate ao Covid-19.
Ameaças têm sido registradas desde os primeiros tempos da pandemia, em face da dissonante estratégia adotada pelas autoridades suecas. Ao contrário da maioria dos países, a Suécia manteve lojas, restaurantes, cafés, creches e escolas do ensino primário abertas e não introduziu a obrigatoriedade do uso de máscaras.
Apesar de priorizar a responsabilidade individual para a contenção do vírus, o país também determinou o fechamento de escolas do ensino secundário, universidades e museus, recomendou o trabalho remoto e adotou uma série de medidas restritivas para o funcionamento de bares e restaurantes.
“Houve uma escalada das ameaças, que têm sido quase diárias”, disse à SVT o diretor-geral da Folkhälsomyndigheten, Johan Carlson. Segundo ele, a polícia sueca já investiga várias ameaças. A segurança na sede da Autoridade Nacional de Saúde Pública, no centro de Estocolmo, também foi reforçada este ano.
“Ameaças parecem orquestradas”
Entre 24 de janeiro de 2020 e 24 de janeiro deste ano, de acordo com levantamento realizado pela Autoridade Nacional de Saúde Pública, cerca de 50 mil emails externos foram enviados a Anders Tegnell, a face pública da estratégia sueca. Ao analisar uma amostra das mensagens recebidas no mês de dezembro, a agência identificou 80 conteúdos de ódio e ataques pessoais contra Tegnell, incluindo exigências de que ele se declarasse incompetente e renunciasse.
“Você deve estar feliz e satisfeito, Tegnell, com os novos recordes diários de contaminação. Parabéns!!! (…) Você é uma catástrofe para a Suécia, e precisa desaparecer. DESAPAREÇA, PARA QUE MUITOS POSSAM SOBREVIVER”, diz uma das mensagens.
Já em maio do ano passado, vieram à tona informações sobre ameaças de morte contra o epidemiologista-chefe e sua família. “Não estou preocupado comigo, mas levo extremamente a sério qualquer ameaça contra a minha família”, disse Tegnell na época.
Os principais alvos das ameaças, além de Tegnell, são outros integrantes da agência que participam das entrevistas coletivas diárias sobre a situação da pandemia, transmitidas ao vivo pela TV pública SVT. Vários outros membros da Autoridade Nacional de Saúde Pública, porém, têm sido afetados – e por vezes, as ameaças também se estendem a familiares dos funcionários da agência.
“Temos a impressão de que estas ameaças são orquestradas”, observa Johan Carlsson. “Elas chegam em ondas, têm conteúdos semelhantes e são enviadas a muitos de nossos integrantes”.
Apoio popular
Apesar das críticas internas e internacionais ao epidemiologista-chefe por manter a Suécia à margem do confinamento, desde a primeira hora da crise iniciou-se no país um verdadeiro culto a Anders Tegnell. Camisetas, bolsas, canecas e até roupas de bebê passaram a ser vendidas com a imagem do epidemiologista, que ganhou contornos de ícone. Em Estocolmo, um sueco de 32 anos chegou a tatuar o rosto de Tegnell no braço esquerdo.
No Facebook, o grupo “Vi stöttar Anders Tegnell & Co (FoHM)” (“Apoiamos Anders Tegnell e a Folkhälsomyndigheten), um ruidoso fã-clube de Tegnell, conta atualmente com 92 mil membros. Mais recentemente, um grupo de detratores da estratégia sueca, igualmente ruidoso e denominado Media Watchdogs of Sweden, estreou na mesma plataforma.
Estatísticas recentes mostram que, mesmo diante das ameaças, Anders Tegnell e a Autoridade Nacional de Saúde Pública ainda contam com o apoio majoritário da população – entretanto, este apoio sofreu um significativo declínio. Pesquisa divulgada no último dia 28 de janeiro indica que a confiança em Tegnell caiu para 54 por cento, contra o índice de 72 por cento registrado em outubro do ano passado.
Realizada pelo Instituto Ipsos para o jornal Dagens Nyheter, a pesquisa demonstrou ainda um crescente ceticismo da população em relação às medidas adotadas pelas autoridades no combate à pandemia. No total, 50 por cento dos entrevistados disseram considerar as medidas insuficientes – um aumento de seis por cento desde dezembro.
Com uma população de 10,3 milhões de habitantes, a Suécia contabiliza no momento 12.569 mortos em consequência da pandemia do novo coronavírus. É um número exponencialmente maior do que os índices registrados nos vizinhos nórdicos que adotaram o lockdown ao longo da crise, embora menor do que os de vários países europeus que também introduziram o confinamento (como Bélgica, Espanha, Grã-Bretanha, Itália e França).
A alta taxa de disseminação do vírus preocupa as autoridades, num momento em que o processo de vacinação da população – assim como em outros países – enfrenta hiatos devido a atrasos na entrega pelos fornecedores.
Nova Lei da Pandemia
Para fazer frente ao risco de que uma temida terceira onda da pandemia se imponha no país, esta semana o governo anunciou uma nova Lei da Pandemia – que permitirá às autoridades, caso necessário, decretar o fechamento de instalações como shopping centers, restaurantes, lojas e academias de ginástica.
As mortes por Covid-19 na Suécia em 2020 ocorreram majoritariamente entre idosos – 90 por cento das vítimas nos primeiros meses da pandemia foram pessoas a partir de 70 anos de idade. E 50% das mortes ocorreram em casas de repouso. No final de novembro, novas estatísticas mostraram que 73 por cento do número de mortes por Covid-19 no país foram registradas em asilos de idosos.
Líderes partidários acusam o governo de ter falhado na missão declarada de proteger especialmente os mais idosos no curso da pandemia. Anders Tegnell observa que os residentes de asilos são especialmente vulneráveis, em virtude da idade avançada e de uma variedade de doenças crônicas que enfrentam – mas reconhece que foram excessivos os errros cometidos nas instituições de idosos: a pandemia expôs deficiências sistêmicas no funcionamento de asilos e casas de repouso do país, que terão que ser endereçadas.
O epidemiologista-chefe tem argumentado, por outro lado, que seus críticos pouco se concentraram até agora nas consequências negativas das ações de lockdown.
“É fascinante constatar o quão pouco se discutiu na Suécia sobre os efeitos extremamente negativos provocados pelo confinamento em uma série de países, como por exemplo o aumento de casos de violência doméstica e sérios problemas enfrentados por crianças em idade escolar”, diz Tegnell. “Os efeitos de diferentes estratégias, lockdowns e outras medidas são muito mais complexos do que somos capazes de compreender hoje”.
19 de Fevereiro de 2021