Donos de restaurantes fazem panelaços contra atrasos na ajuda do governo da Suécia

Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo

Todos os dias, às 15h em ponto, cozinheiros, garçons e donos de restaurantes de Estocolmo se reúnem na porta dos estabelecimentos e fazem um ruidoso panelaço nas ruas cobertas de neve da capital sueca. Os atos, convocados pelo Facebook, são um protesto para exigir que o governo acelere as medidas de apoio prometidas para garantir a sobrevivência dos restaurantes e de seus milhares de empregados, em meio à pandemia do novo coronavírus.

“Vamos bater panelas até que o governo comece a agir de fato para concretizar a ajuda aos pequenos empresários, e que não haja mais atrasos no pagamento dos recursos prometidos. Precisamos dessa ajuda, e ela precisa chegar rápido”, diz à RFI Björn Ericsson, proprietário de dois restaurantes no centro de Estocolmo.

Desde o início da pandemia na Suécia, restaurantes, cafés e bares nunca foram fechados por determinação do governo. Mas o movimento caiu de forma dramática, diante da recomendação das autoridades para que as pessoas se mantenham em casa e evitem contatos fora de seu círculo familiar mais próximo.

Diversas restrições também foram impostas para o funcionamento dos restaurantes: desde dezembro, a venda de álcool só é permitida até as 20h, há um limite máximo de quatro pesssoas por mesa, e é preciso respeitar a distância mínima entre mesas e cadeiras. Segundo a organização de empregadores Visita, o setor acumula perdas de 70% nos últimos meses.

Os pagamentos iniciais do governo para financiar a reestruturação das atividades nesses estabelecimentos foram efetuados apenas em julho do ano passado, e atrasos têm ocorrido no processamento dos pedidos de apoio financeiro para a redução da jornada de trabalho dos empregados. Para a ajuda governamental referente ao período de dezembro em diante, só será possível fazer a solicitação no final de março, de acordo com as autoridades. As filas de espera para a obtenção do apoio têm sido longas.

“Muitos colegas foram obrigados a vender suas casas para manter seus restaurantes”, destaca Björn Ericson. “Os proprietários de restaurantes têm sido obrigados a se autofinanciar, a fim de poder pagar os custos fixos operacionais e sobreviver por mais tempo. A concretização da ajuda prometida pelo governo será um alívio, e me permitirá pagar os empréstimos que fui obrigado a contrair no banco”, ele acrescenta.

Cerca de cem mil pessoas correm o risco de perder o emprego no setor, segundo estimativas.

“Já fui obrigado a demitir quatro funcionários, e vários outros estão trabalhando com jornadas reduzidas. Eram no total 20 empregados em meus dois restaurantes, e agora são 16”, conta Björn, que no momento registra queda de 86% no movimento de um de seus restaurantes, Cliff Barnes. No segundo, chamado Sue Ellen, a redução é de 70%.

‘Governo deveria fechar os restaurantes’

Ericsson enfatiza que os panelaços diários não são um protesto contra as medidas restritivas adotadas pelo governo para conter a pandemia – e sim contra os atrasos nos pagamentos da ajuda prometida pelas autoridades aos proprietários.

“No modelo sueco, os restaurantes têm permissão para se manter abertos. No entanto, tanto o governo quanto seus representantes dizem aos cidadãos que eles não devem ir a restaurantes. Entendo que é preciso alertar a população sobre os riscos, afinal de contas estamos em plena crise da pandemia”, diz o empresário.

“Mas pessoalmente, acho que o governo deveria fechar os restaurantes e compensar tanto os funcionários quanto os proprietários dos estabelecimentos da melhor maneira, até que seja possível controlar a crise”, destaca.

Björn Ericsson, proprietário de dois restaurantes no centro de Estocolmo

O sueco cita como exemplo o modelo adotado pelas autoridades britânicas durante os lockdowns compulsórios:

“Na Grã-Bretanha, os funcionários de restaurantes têm recebido salário-desemprego, e todos os custos fixos dos proprietários foram congelados durante os períodos de lockdown. Os donos de restaurantes não têm contas a pagar durante as temporadas de lockdown, e pequenos empresários também recebem uma modesta ajuda do governo.”

Já na Suécia, observa ele, os proprietários são obrigados a pagar custos fixos como aluguel, além de terem que arcar com todas as despesas de pagamento dos salários dos funcionários que tiveram sua jornada reduzida, à espera de que o governo pague parte do montante.

“Nosso protesto é pacífico, e não é radical – afinal, continuamos a pagar nossos impostos, dívidas e tudo o mais. Mas precisamos chamar a atenção para a situação que enfrentamos. Há também muitos estabelecimentos, como por exemplo casas noturnas, onde o movimento caiu quase 100%. E quando se tem zero movimento e custos fixos, o resultado é a falência”, adverte Ericsson. “Estamos esperando por ajuda desde o outono (sueco), e agora a situação é crítica. Estamos endividados”, alerta.

Panelaço em frente ao restaurante Sue Ellen, na capital sueca

Pacote anticrise

A fim de mitigar os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, o governo sueco apresentou uma série de medidas para reduzir custos, fortalecer a liquidez e melhorar o acesso a financiamentos. O pacote poderá atingir mais de 300 bilhões de coroas suecas (cerca de R$ 195 bilhões), a depender da duração e da gravidade da crise econômica.

Para facilitar o acesso das empresas a financiamentos, o governo anunciou uma garantia de 70% dos novos empréstimos concedidos pelos bancos às empresas que enfrentam dificuldades financeiras devido à Covid-19.

No ano passado, foram disponibilizados recursos de 5 bilhões de coroas suecas para apoiar a renegociação de aluguéis em setores como restaurantes, hotelaria e bens de consumo duráveis – com o governo cobrindo custos de até 50% da redução do valor do aluguel.

Em todos os setores, empregadores podem reduzir o horário de trabalho de seus empregados em até 80%, e a maior parte dos custos dessa redução é coberta pelo Estado. Assim, os custos salariais para um empregador podem ser reduzidos em mais de 70%, e os trabalhadores retêm quase 90% de seus salários originais.

Medidas para adiar o pagamento de impostos também foram ampliadas. Vários empresários poderão adiar seus pagamentos de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que deveriam ser efetuados durante a primavera do hemisfério norte, entre março e junho. A proposta pode abranger mais de 7 bilhões de coroas suecas, se todo o reforço financeiro de liquidez for utilizado.

Além das medidas do governo, o Banco Central da Suécia anunciou empréstimos de até 500 bilhões de coroas suecas a empresas, por meio dos bancos, para garantir o fornecimento de crédito. A Finansinspektionen (autoridade sueca de supervisão financeira) anunciou que irá reduzir a zero a amortização de capital anticíclico para garantir um bom fornecimento de crédito. No entanto, tem havido demora na concessão da ajuda nos últimos meses.

Proibição de venda de álcool foi gota d’água

A gota d´água para a convocação dos panelaços foi a decisão do governo, no fim de janeiro, de prolongar a proibição da venda de álcool nos restaurantes após 20h. A decisão foi anunciada dois dias antes de sua entrada em vigor, o que segundo os proprietários tumultuou as escalas de trabalho que já haviam sido programadas. A proibição vale até 7 de fevereiro, e poderá ser estendida.

Caso o cronograma da campanha de vacinação em curso na Suécia possa ser cumprido conforme previsto, os proprietários de restaurantes esperam que a situação possa estar melhor no próximo outono sueco, ou seja, no quarto trimestre de 2021.

“Mas acho que ainda levará muito tempo para que as pessoas voltem a se reunir em restaurantes da mesma forma como faziam antes da pandemia”, prevê Björn Ericsson.

3 de Fevereiro de 2021

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