Finlândia: estudo final sobre renda mínima revela pouca melhora no nível de emprego e mais qualidade de vida

 

Claudia Wallin, correspondente da RFI elm Estocolmo

Primeiro país do mundo a testar de forma sistemática a implantação de uma renda básica universal em nível nacional, a Finlândia divulgou nesta quarta-feira (06) os resultados finais do amplo experimento conduzido durante um período de dois anos. As conclusões centrais são de que a renda básica provocou um leve aumento no índice de emprego – com um total de seis dias a mais de trabalho durante o segundo ano do experimento -, e teve impacto positivo na melhora da saúde e da qualidade de vida dos beneficiários.

Os resultados do experimento finlandês chegam no momento em que a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus reacende o debate global sobre a necessidade da criação de uma renda básica cidadã.

Segundo projeções do Banco Mundial, a pobreza a nível global deve aumentar pela primeira vez desde 1998. Até o fim do ano, na avaliação das Nações Unidas, cerca de meio bilhão de pessoas – ou 8% da população mundial – devem ser empurradas pela pandemia da Covid-19 para a linha da pobreza. A projeção é baseada em cálculos do cenário extremo de um declínio de 20% na renda ou consumo ao redor do mundo.

Na crise atual da Covid-19, a renda básica emergencial adotada por diversos países – incluindo o Brasil – tem caráter provisório, e é destinada apenas à parcela mais vulnerável da população. Já o conceito da renda básica universal tem caráter permanente, e inclui todos os cidadãos: a ideia é criar um novo contrato social para uma sociedade mais justa e sustentável, em um mundo cada vez mais desigual e automatizado no qual a escassez de empregos aumenta a legião de pobres.

“A adoção de uma renda básica universal poderia trazer mais segurança aos cidadãos em uma situação de muita insegurança em meio à pandemia da Covid-19”, disse a pesquisadora sênior do Instituto Nacional de Seguridade Social da Finlândia (Kela), Mina Ylikännö, ao apresentar os resultados do experimento durante uma sessão de webnar.

Menos estresse e depressão

O experimento finlandês foi conduzido entre 2017 e 2018 pelos estrategistas do Kela, em colaboração com pesquisadores de diferentes organizações do país. Duas mil pessoas desempregadas, com idades entre 25 e 58 anos, receberam do Estado 560 euros por mês (aproximadamente R$ 3.370) – com isenção de impostos, e sem qualquer contrapartida ou exigência de procurar emprego.

resultado final do estudo mostra que os participantes do experimento trabalharam seis dias a mais do que o grupo de controle do projeto, formado por 173 mil desempregados do país que receberam no período os tradicionais benefícios sociais. Enquanto os beneficiários da renda básica trabalharam um total de 78 dias entre novembro de 2017 e outubro de 2018, os membros do grupo de controle trabalharam 72 dias.

Os resultados apontam ainda que os participantes do estudo apresentaram menos sintomas de estresse e depressão, menores dificuldades de concentração e melhores condições de saúde em relação ao grupo de controle.

As conclusões finais do experimento se assemelham, em linhas gerais, aos resultados preliminares apresentados em fevereiro do ano passado. Em 2017, durante o primeiro ano do estudo, 18% dos participantes encontraram um trabalho – aproximadamente o mesmo índice registrado entre os membros do grupo de controle.

Em 2018, 27% dos beneficiários do experimento trabalharam, contra 25% do grupo de controle. Os resultados do segundo ano podem ter sido influenciados por uma medida introduzida pelo governo finlandês em 2018, que penaliza pessoas desempregadas que não procuram ativamente por um emprego.

Simplificar burocracia e reformar Previdência

O estudo sugere que outros fatores, além de incentivos financeiros, exercem impacto sobre o nível de emprego.

Todos os participantes do programa que aceitaram um emprego continuaram recebendo os 560 euros mensais. A intenção foi reduzir o trabalho envolvido na complexa busca de benefícios sociais do Estado, e proporcionar aos beneficiários mais tempo e recursos para a busca de emprego, treinamento e outras atividades. O objetivo era revelar como as pessoas agem quando recebem pagamentos incondicionais garantidos.

A meta do estudo foi avaliar fórmulas para reformar o sistema de Previdência diante das mudanças na natureza do trabalho, além de reduzir a burocracia do complexo sistema finlandês de concessão de benefícios sociais.

Hoje, um grande número de funcionários públicos é necessário para administrar uma ampla rede de programas sociais oferecidos pelo Estado de Bem-Estar social finlandês. Já o modelo da renda mínima poderia ser gerenciado por um número bem menor de servidores – já que o sistema enterraria a burocracia exigida para determinar se um indivíduo tem de fato o direito de receber este ou aquele benefício social.

Pode soar paradoxal, mas a meta do experimento finlandês também foi testar novas maneiras de incentivar o trabalho: pelas regras atuais da Finlândia, conseguir um trabalho temporário, por exemplo, pode significar o corte de diferentes benefícios sociais.

A respeito do pequeno impacto no emprego, os pesquisadores finlandeses assinalaram que em geral muitos desempregados têm pouca qualificação profissional. Também foram registrados vários casos de participantes do estudo que aproveitaram a segurança da renda mínima para empreender, abrindo pequenos negócios próprios.

Em pesquisa paralela conduzida junto à opinião pública, o Instituto Nacional de Seguridade Social da Finlândia informou que 46% dos entrevistados se disseram favoráveis à introdução de uma renda básica universal como parte permanente do sistema de previdência.

Distribuição mais justa de riqueza

Nos últimos anos, a crise financeira internacional e o consequente aumento da desigualdade social fizeram crescer os movimentos que defendem a ideia de uma renda mínima universal. Economistas como Thomas Piketty apontam que a concentração da riqueza aumenta em todos os países desenvolvidos, e muitos alertam que talvez todos tenham que aprender a viver com um significativo e permanente índice de desemprego.

O raciocínio é de que, em uma nova era em que apenas uma parcela da população terá empregos tradicionais, será preciso criar um novo sistema de bem-estar social a partir de uma distribuição mais justa da riqueza.

Diferentes experiências com modelos de renda básica foram ou têm sido feitas a nível regional em países como Holanda, Canadá, Espanha e Quênia, onde um grande estudo está sendo patrocinado atualmente por empresas americanas do Vale do Silício. No Brasil, a renda básica cidadã é defendida há mais de 30 anos pelo ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy (PT), e sua proposta já é tema de lei (Lei 10.835) desde 2004.

Para os defensores da renda básica, o modelo promove a justiça social e estimula a busca por novos empreendimentos ou oportunidades de trabalho, ao dar aos beneficiários a chance de aprender novas habilidades. Já na visão dos críticos mais inflexíveis, a adoção da renda básica reduziria o estímulo para a procura de emprego, diante da garantia da renda mínima mensal.

Aparentemente, uma renda mínima concedida pelo Estado não levaria os cidadãos instantaneamente para debaixo do coqueiro mais próximo: diferentes estudos conduzidos sobre o tema apontam que apenas uma minoria ficaria em casa, vivendo com o mínimo necessário para sua subsistência.

Teoricamente, a renda mínima deve ser suficiente para um cidadão viver de forma frugal. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio: um valor baixo demais não resolveria o problema, e um valor muito alto poderia ser um desestímulo ao trabalho.

Finlândia vai adotar a renda mínima universal?

A ideia de uma renda básica universal ainda enfrenta fortes resistências. Mas conforme indicou certa vez o professor Olli Kangas, que liderou o estudo finlandês, a renda básica universal não deve ser vista como uma utopia inatingível: “Será que, há duzentos anos, um americano poderia imaginar que a escravidão seria abolida?”, indagou o professor durante o experimento finlandês.

No entanto, parece improvável a possibilidade de a Finlândia vir a adotar uma renda básica universal a curto prazo. Olli Kangas enfrentou resistências burocráticas e políticas ao projeto, que foi conduzido sob o mandato do governo de centro-direita da Finlândia.

Com a vitória do partido Social-Democrata nas eleições parlamentares do ano passado, os pesquisadores esperavam ser possível exercer pressões para retomar o estudo com uma base ampliada de participantes, que poderia oferecer resultados mais significativos.

Mas a primeira-ministra Sanna Marin já sinalizou que não planeja uma extensão do experimento. Em vez disso, o objetivo atual do governo finlandês é avaliar a adoção de um imposto de renda negativo, através do qual contribuintes de baixa renda irão parar de pagar impostos, e passarão a receber pagamentos suplementares do governo.

6 de Maio de 2020

 

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