CRÔNICAS DA ESCANDINÁVIA
Claudia Wallin
Um ato do pai do primeiro-ministro da Islândia em favor de um pedófilo condenado provocou nesta sexta-feira o colapso do Governo de coalizão – apenas nove meses após a posse do premier islandês, Bjarni Benediktsson.
A crise foi deflagrada com a revelação de que o pai do primeiro-ministro, Benedikt Sveinsson, assinou uma carta de recomendação com o objetivo de ajudar um amigo condenado por crimes de pedofilia, Hjalti Sigurjón Hauksson, a ter sua “honra restaurada”.
Em 2004, Hjalti Sigurjón Hauksson foi condenado a cinco anos e meio de prisão por ter violentado sua enteada durante doze anos consecutivos, desde que ela tinha cinco anos de idade.
No sistema finlandês, o processo de “restauração da honra” permite que o nome de um criminoso seja efetivamente eliminado do registro nacional de crimes. Entre os requisitos necessários para dar entrada no processo, está a apresentação de uma carta de recomendação de um amigo ou associado.
Com a revelação da autoria da carta de recomendação a Hauksson, o primeiro-ministro passou a ser acusado de tentar ocultar o ato do pai.
Inicialmente, a ministra da Justiça, Sigridur Andersen – que pertence à mesma sigla do premier, o Partido da Independência – recusou-se a revelar quem havia escrito a carta de recomendação.
Mas na quinta-feira, sob pressão de um comitê parlamentar, Andersen acabou finalmente sendo forçada a fazer a revelação. E em seu depoimento, a ministra afirmou que havia informado o primeiro-ministro sobre o envolvimento do pai dele no caso desde julho passado.
Em menos de 24 horas, a situação do primeiro-ministro Bjarni Benediktsson tornou-se insustentável.
Pouco depois da meia-noite de quinta-feira, o partido Björt Framtíð (“Futuro Brilhante”), uma das três siglas da coalizão governamental, anunciou sua saída do governo.
“A razão de nosso rompimento é uma grave quebra de confiança por parte do governo”, disse o partido em comunicado publicado em sua página no Facebook, segundo informações do site de notícias islandês Iceland Monitor.
Na sequência, o terceiro partido da coalizão, Vidreisn (“Reforma”) pediu a convocação imediata de novas eleições.
Em comunicado divulgado na quinta-feira, o pai do primeiro-ministro pediu desculpas por ter assinado a carta de recomendação, que segundo ele foi escrita pelo próprio amigo condenado e levada à sua casa já pronta para ser assinada.
“Jamais considerei o processo de restauração da honra como outra coisa senão um procedimento legal que possibilita que criminosos condenados recuperem certos direitos civis. Não considerei isto como algo que poderia justificar a ação de Hjalti (Sigurjón Hauksson) em relação à sua vítima”, afirmou o pai do premier, de acordo com a revista islandesa Iceland Magazine
“O que deveria ter sido um pequeno gesto de boa vontade para com um criminoso condenado acabou por se tornar, para a vítima, uma continuação de sua tragédia. Por isto, peço desculpas mais uma vez”, acrescentou ele.
Este é o segundo governo islandês que cai em meio a um escândalo, em pouco mais de um ano: em abril de 2016, o então primeiro-ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, renunciou ao cargo após ter seu nome citado no escândalo “Panama Papers”. Documentos revelaram que Gunnlaugsson manteve uma empresa de fachada com a esposa em um paraíso fiscal, que foi omitida em sua declaração patrimonial. Mais de 24 mil cidadãos da Islândia – que tem uma população de 320 mil habitantes – haviam assinado uma petição on-line para pedir a saída de Gunnlaugsson.
Em 2009, também sob pressão da população islandesa, o primeiro-ministro islandês Geir Haarde anunciou a renúncia do seu governo – em consequência da crise financeira mundial que quebrou a economia do país nórdico, e dos protestos que se multiplicaram nas ruas.
14 de Setembro de 2017
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