Como vive um LGBT brasileiro na Suécia

A VIDA NA SUÉCIA
Por Claudia Nascimento Ekström
”Já fui literalmente apedrejado quando passava por uma rua em Porto Alegre, por conta de alguns garotos não terem gostado das minhas roupas”, diz Gabriel Fontana, 24 anos. Essa foi apenas uma das muitas agressões físicas enfrentadas por ele no Brasil pelo fato de ser homossexual. Há três anos na Suécia, Gabriel diz ter encontrado a paz. ”Pela primeira vez na vida, sinto que não preciso me defender de ataques, ofensas e ameaças no meu dia-a-dia”, diz.
A Suécia entrou na vida de Gabriel quando ele encontrou seu ex-marido, sueco, e se mudou para Skellefteå, cidade ao norte do país. O relacionamento acabou, mas Gabriel permaneceu na Suécia e hoje mora e trabalha como artista em Estocolmo.

Gabriel Fontana em Gamla Stan, a Cidade Velha de Estocolmo
A carreira de Gabriel Fontana, ou Gabriel do Brasil, como ele ficou conhecido, começou em 2015, quando venceu o Revanschen, uma categoria da versão sueca do programa Ídolos, e se apresentou no Globen, a mais famosa arena de shows de Estocolmo, para 13 mil pessoas.
No Brasil, ele passou a vida entre Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília, às voltas com bullying, preconceito e violência. “Essa era a minha realidade onde eu estivesse. Passava por todo tipo de violência física e verbal”, conta.
Gabriel diz que nesses três anos de Suécia se desarmou. “Quando me mudei para cá, senti uma tranquilidade tão grande que me causava até um estranho incomodo. Percebi, então, que havia me acostumado com a violência sofrida no Brasil. Às vezes, me sinto preguiçoso por morar aqui, sabendo o quanto ainda se tem por fazer pelos direitos LGBT na minha própria terra.”
Como primeiro país a legalizar a mudança de gênero, em 1972, a Suécia vem se firmando ao longo dos anos como um dos centros mais gay friendly do mundo. A postura positiva e aberta em relação à condição sexual dos indivíduos funciona de diversas formas e tem várias bases de apoio.
Um exemplo disso é o trabalho realizado pela Associação Nacional para os Direitos Homossexuais, Bissexuais e de Pessoas Trans (RSFL). A ONG surgiu em 1965 e funciona em nível local, nacional e internacional. São mais de 7000 sócios, e os escritórios estão espalhados em 38 pontos da Suécia. Um de seus projetos dá visibilidade às histórias de homossexuais em busca de asilo no país, todos vindos de terras nas quais a homossexualidade é crime e implica risco de vida. Como o processo pode ser longo e burocrático, a RSFL fornece assistência jurídica e médica gratuitas, moradia e atividades culturais, enquanto o refugiado espera pela decisão sobre a concessão ou não do visto.
“Apesar de homossexualidade não ser crime no Brasil, eu me via correndo constante risco, já que a violência contra homossexuais brasileiros só faz crescer.”
Gabriel em cena, na versão sueca do programa Ídolos
Leis favoráveis aos LGBTs
Na Suécia, a RFSL trabalha ativamente influenciando a política e a sociedade, e quer que a legislação sueca seja atualizada em diversos quesitos. Dentre eles, o reconhecimento jurídico de mais de dois adultos como pais de uma criança. Em 2015, essa luta gerou a primeira vitória, e um casal homoafetivo pôde registrar a dupla paternidade da criança, como desejado.
Lançado em 2015, o livro Stjärnfamiljsjuridik (Direitos jurídicos de várias constelações familiares, em tradução livre) aprofunda discussões pertinentes sobre o que seria o “Estatuto da Família Sueca”. Erik Mägi e Lina-Lena Zimmerman, autores do livro, debatem as mudanças necessárias e oferecem soluções para que os direitos das famílias não tradicionais sejam propagados e protegidos por lei.
Em janeiro, uma dessas famílias tornou-se histórica. O casal Jacob e Saymon Neves entrou na justiça pela adoção de uma criança brasileira e obteve decisão favorável. Saymon é brasileiro e essa foi a primeira vez que um casal homossexual na Suécia conseguiu o direito de adotar uma criança estrangeira. Em entrevista ao jornal sueco Expressen, o casal conta sobre os percalços e desafios e da quase desistência em seguir em frente.
A adoção homoafetiva é lei na Suécia desde 2003. Em 2005, entrou em vigor uma lei que permite a inseminação artificial de casais lésbicos nos hospitais públicos. O direito ao casamento homoafetivo foi conquistado em 2009. A proibição de discriminação por orientação sexual foi incluída na Constituicao em 2011. Recentemente, com maioridade quase absoluta no Parlamento, foi aprovada uma proposta para conceder o direito à fertilização assistida, independentemente do sexo.
Educação sexual
Na Suécia, a Educação Sexual faz parte do conteúdo programático das escolas desde o Ensino Fundamental. Depois, as aulas de educação sexual se intensificam e o tema puberdade é acrescentado.
No que se refere à temática LGBT, as escolas são obrigadas a incluir assuntos dessa natureza logo no começo da vida escolar, entre a quarta e a sexta séries. Essa iniciativa faz parte do chamado ”plano de igualdade de tratamento, em vigor em todas as escolas suecas”, informa Hans Olsson, conselheiro em Educação Sexual da Associação Nacional Sueca para Educação Sexual (RFSU).
No Brasil, Gabriel Fontana estudou em oito escolas diferentes. Só na quinta-série passou por três. Com convicção, me conta que a homossexualidade foi o motivo.
“A minha mãe sempre era chamada na escola. Eu não sabia como lidar com isso tudo. A família e as escolas também não. Quando me chamavam de gay, eu queria entender a razão disso ser um problema. Mas enquanto eu me questionava, as pessoas já tinham me rotulado. Eu me sentia numa guerra com uma bandeirinha de paz”, afirma.
Com apenas 24 anos e um vasto repertório de barbáries vivenciadas na pele, Gabriel Fontana já realizou palestras motivacionais para empresas quando participou do movimento sueco Tillsammans för Europa (Unidos pela Europa). O tema? Sua própria história. “Quando eu contava sobre como era minha vida no Brasil sendo homossexual, ninguém acreditava. Mas e o Carnaval, me perguntavam. Daí eu dava um exemplo: o hétero vestido de mulher, no Carnaval, é uma coisa. Mas vai ser gay ou dragqueen fulltime no Brasil. E a situação da mulher que muitas vezes é tratada como objeto? É muito fácil para uma pessoa branca e heterossexual dizer pra mim que o Brasil não é homofóbico, não é racista e não é machista”, diz.

 
Luta LGBT na Suécia
Eric Thorsell, nascido em 1899 e visto até os dias atuais como o primeiro ativista pelos direitos homossexuais da história sueca, é certamente um dos muitos responsáveis pela construção dessa conscientização pelos direitos LGBTs que Gabriel Fontana vivencia na Suécia. Thorsell esteve à frente de vários movimentos entre as décadas de 30 e 40, quando a homossexualidade ainda era crime no país. E quando a mídia e, por vezes, a polícia se recusavam a divulgar crimes envolvendo homossexuais.
Segundo o Conselho para Prevenção de Crimes (BRÅ), dos aproximadamente 6.200 casos (2014) de crimes de ódio registrados por ano na Suécia – país com cerca de 9,7 milhões de habitantes -por volta de 600 são crimes relacionados à homofobia. O mesmo material mostra que homens homossexuais denunciam duas vezes mais esse tipo de crime do que mulheres homossexuais.
“Sei que não existem sociedades perfeitas. Mas eu nunca tive nenhuma reação negativa na Suécia pelo fato de eu ser homossexual”, diz Gabriel.
Atualmente, o tema “crimes de ódio” é parte das disciplinas estudadas pelos futuros policiais – com foco específico nos crimes de hostilidade a estrangeiros e homossexuais. Os policiais suecos marcam sempre presença nas paradas gays que acontecem em várias cidades do país – tanto a trabalho como participando do movimento. Durante a maior parada gay da Suécia, no mês de julho, em Estocolmo, a polícia da cidade mostra ainda o seu engajamento, hasteando a bandeira do movimento LGBT, nos postos policiais da cidade.
Para Gabriel, ficaram para trás coisas como a surra de Bíblia que levou um dia na frente do Congresso Nacional.
“Alguns de nós carregavam bandeiras da diversidade sexual e cartazes com passagens da Bíblia, que falavam sobre amor. Houve um confronto entre uma marcha pela família e a nossa antimarcha. Mas aquilo nunca me intimidou. Eu quero continuar a lutar pelos gays que ainda estão dentro do armário e inspirar pessoas que passam por bullying. Eu sou um homem feminista e ativista pelos direitos humanos, não somente pelos direitos LGBTs. Eu quero uma evolução social para o mundo”, diz.
Claudia Nascimento Ekström é jornalista, tradutora-intérprete e inebriantemente viciada em palavras. Mora na Suécia, mas sempre foi e será de Sampa.
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