Sem pensões vitalícias

 

Qualquer cidadão de inteligência mediana na Suécia entende a razão pela qual os parlamentares suecos não têm o direito exótico de receber pensão vitalícia após cumprir dois ou mais mandatos. Aos deputados suecos não se oferece pensão, e sim o que se chama aqui de ”garantia de renda” (inkomstgaranti) por tempo limitado. Diz a lei sueca:
”A finalidade do benefício (pensão) é proporcionar segurança financeira ao parlamentar no momento de transição após o término de suas atividades no Parlamento. O benefício não tem como propósito garantir o sustento permanente do ex-parlamentar”.
(fonte: Lag (2006:998) – Svensk Författningssamling 1994:1065)
O ex-deputado social-democrata Joe Frans, que cumpriu quatro anos de mandato entre 2002 e 2006, teria direito a um ano de pensão parlamentar quando deixou o Parlamento.
”Mas comecei a trabalhar em outro emprego logo depois de deixar o Parlamento”, conta Joe. ”Por isso, tive que informar sobre meu novo trabalho às autoridades responsáveis, e o pagamento da minha pensão como ex-deputado foi suspenso”.
Na época de Joe Frans, um deputado que cumprisse a função por tempo inferior a seis anos tinha direito a receber pensão parlamentar durante no máximo um ano. Para os parlamentares com mais de seis anos de casa, a pensão era paga por até dois anos (para deputados com menos de 40 anos de idade), cinco anos (para aqueles com menos de 50 anos), ou até o deputado completar 65 anos de idade (para aqueles com 50 anos de idade ou mais).
Estava bom, mas poderia ficar melhor.
Em 2011, a TV pública sueca decidiu investigar as pensões parlamentares, e revelou: milhões de coroas suecas estavam sendo pagos a ex-políticos que ainda eram jovens o suficiente para arranjar um novo emprego.
Dois anos depois, decididos a raspar os resquícios de generosidade cristã que o sistema ainda comportava, os suecos resolveram endurecer as regras.
Pelas novas normas, o princípio geral é que todo deputado eleito a partir de 2014 precisa trabalhar pelo menos oito anos no Parlamento (duas legislaturas) para ter direito a uma pensão equivalente a 85 por cento do valor do salário (49.555 coroas suecas, o equivalente a cerca de 7,5 mil dólares), durante um período máximo de dois anos. E para receber pensão durante mais de um ano, o ex-deputado precisa comprovar que está ativamente procurando uma nova forma de ganhar o pão de cada dia.
”É importante entender que o sistema tem mecanismos fortes. Eles (os deputados) têm que provar que estão procurando um novo emprego, que não estão passivos. Do contrário, o benefício é cortado”, diz Johan Hirschfeldt, presidente do comitê que regulamenta salários e pensões parlamentares (Riksdagens Arvodesnämd).
Se o parlamentar passa a exercer um outro mandato ou cargo político, o benefício também é suspenso.
Não foram poucos, no entanto, os ovos que se jogaram contra as novas regras da pensão parlamentar – para uma parcela considerável dos suecos, o sistema continua perverso:
”É um deboche”, escreveu a jornalista Lena Mehlin em sua coluna política no jornal Aftonbladet. ”As diferenças repulsivas entre as condições dos parlamentares e dos cidadãos comuns permanecem. Se você e eu perdermos o emprego, teremos direito a um benefício social de no máximo 14.960 coroas por mês (cerca de 2,3 mil dólares). Já um deputado desempregado pode ganhar quase 50 mil coroas mensais (7,6 mil dólares). Além do mais, pode receber o benefício por dois anos, quando, para o cidadão comum sem filhos menores de idade, a lei prevê apenas um ano”, atacou Lena.
(”Riksdagsledamöterna står sig själva närmast”, jornal Aftonbladet, 03-02-2013)
 
Para aumentar a revolta de Lena, há possíveis exceções à regra para os deputados que tenham completado 57 anos de idade ao deixar o Parlamento. No caso deles, uma pensão mais reduzida (45% do valor do salário) pode ser paga por um período de até oito anos – ou seja, até atingirem a idade mínima para receber a aposentadoria do sistema de previdência social sueco por tempo de contribuição.
”É claro que um deputado de 57 anos deve procurar outro emprego quando deixa o Parlamento, e para isso ele pode ter acesso inclusive a cursos de reciclagem. Se não conseguir, ele pode solicitar a cada ano um pedido de extensão do benefício, que, se aceito, reduz a pensão de imediato para 45 por cento do salário que ele recebia como parlamentar”, fala Hirschfeldt.
Na TV pública sueca SVT, o noticiário exibiu o comentário da Agência Pública de Empregos (Arbetsförmedlingen):
”Em vez de receber pensão, os políticos deveriam ir a uma de nossas agências para tentar arranjar emprego, como faz o restante dos cidadãos”, disse a mensagem.
Para os deputados eleitos a partir de 2014 e que trabalhem menos de oito anos no Parlamento, o benefício será concedido apenas por um período que varia de três meses a um ano.
Pensões para viúvas ou viúvos de parlamentares também têm os dias contados.
”Em nosso país, o sistema de concessão de aposentadorias é baseado na premissa de que tanto o marido como a mulher trabalham, e que portanto cada um tem direito apenas à própria aposentadoria por tempo de serviço. Ou seja, mulheres não têm direito à pensão do marido quando ele falece. Mas ainda restam alguns benefícios no sistema. Se um deputado falece, seu cônjuge ainda tem direito a receber a pensão parlamentar durante dois anos, desde que o deputado tenha trabalhado pelo menos oito anos no Parlamento”, diz o presidente do comitê para salários e pensões parlamentares.
Pelas regras válidas a partir de 2014, a pensão do Presidente do Parlamento segue os mesmos critérios para os demais parlamentares, sem acréscimo de adicionais ou benesses extras.
No Governo, ministros têm direito a receber pensão integral durante um período máximo de um ano. Se no entanto um ministro tiver 50 anos de idade ou mais ao deixar o cargo, e tiver trabalhado na função por pelo menos seis anos, ele passa a ter mais direitos: após o primeiro ano de recebimento do benefício integral, ele pode receber uma pensão mais reduzida, até atingir a idade de 65 anos. A partir desta idade, o ministro passa a ter direito apenas à aposentadoria pública por tempo de serviço – no valor de 14.687 coroas mensais, ou cerca de 2,2 mil dólares.
Os ministros com 50 anos ou mais de idade, e que trabalharam pelo menos seis anos no cargo, têm direito a receber cerca de 45 por cento do valor do salário (de 118 mil coroas mensais, ou 18 mil dólares), até completar 65 anos. Para os que permaneceram 12 anos na função, o percentual é maior: aproximadamente 60 por cento do salário. (fonte: Statens tjänstepensionsverk, SPV)
”Porém, espera-se que haja uma mudança destas regras, uma vez que a possibilidade de um ministro ou o primeiro-ministro obter pensão até os 65 anos de idade é assunto de grande debate na Suécia”, diz Elisabet Reimers, representante do Statsrådsarvodesnämden – órgão responsável pela remuneração dos políticos a nível governamental.
”É preciso dizer também que, atualmente, a pensão é cancelada automaticamente se o ex-ministro voltar a ocupar um outro cargo político. E se o ex-ministro passar a trabalhar em outro emprego, o valor da pensão é reduzido, dependendo do valor de seu novo salário, ou também cancelado”, acrescenta Reimers.
As mesmas regras são válidas para o cargo de primeiro-ministro. Se o atual primeiro-ministro, Fredrik Reinfeldt, perder as eleições de 2014 – quando completará 49 anos de idade -, terá direito apenas a receber pensão durante um ano.
 
Mas se o primeiro-ministro vencer as eleições e tiver completado 50 anos de idade ao deixar o cargo, terá direito a receber no mínimo uma pensão de cerca de 46 por cento do valor do salário (de 148 mil coroas, ou 22,6 mil dólares), até completar 65 anos de idade.
 
”Caso Reinfeldt cumpra 12 anos no mandato de primeiro-ministro, terá direito a uma pensão de cerca de 54 por cento do valor do salário”, diz Rose-Marie Hallen, do Statens tjänstepensionsverk.
 
Trata-se de um privilégio que irrita os suecos, e incendeia o debate nacional. Principalmente depois que primeiro-ministro foi a público dizer que os suecos deveriam estar preparados para mudar sua ”atitude mental” e pensar em se aposentar mais tarde – por volta dos 75 anos de idade. Com a manchete ”Fredrik Reinfeldt pode parar de trabalhar aos 50”, o jornal Aftonbladet cobrou coerência do premier:
Repórter: ”Você pode se aposentar aos 50 anos de idade. Não acha que está na hora de rever o sistema de pensão dos integrantes do governo?”
Primeiro-Ministro Fredrik Reinfelfdt: ”Sim, talvez seja a hora. Mas devo dizer que não penso em me aposentar tão cedo, e não conheço nenhum político que pense nisso. Espero poder trabalhar o máximo de tempo possível”. Fonte: Jornal Aftonbladet, ”Fredrik Reinfeldt kan sluta jobba vid 50”, 02.02.2012)
 
Caso mude de idéia, Reinfeldt deixará o poder sem regalias pagas até a hora da sua morte, e pela hora da morte, com o dinheiro dos contribuintes: segundo um porta-voz do Governo, as regras da concessão de pensão a ex-primeiros-ministros não incluem benefícios gratuitos como carros com motorista, secretárias, assistantes ou seguranças.
 

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