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Claudia Wallin
“O conflito político no Brasil é extremamente alarmante. Por outro lado, ele representa uma oportunidade ideal para convocar os partidos políticos e a sociedade a realizar uma ampla e positiva agenda de reformas no país”, avalia o social-democrata Björn von Sydow, ex-presidente do Parlamento sueco e atual vice-presidente da Comissão de Constituição parlamentar da Suécia.
O momento exige um pacto suprapartidário a fim de alcançar um consenso de união nacional, ele sugere, nos moldes do acordo costurado durante a crise econômica dos anos 90 na Suécia:
“Porque a situação é de tal maneira caótica, que os partidos políticos brasileiros devem perceber que nenhum deles é forte o suficiente para encerrar a crise sem o apoio de todos os demais. E nenhum dos atores políticos tem o poder de controlar sozinho os efeitos que poderão ser deflagrados por este tamanho caos político.”
“E é o momento para mobilizar também diferentes setores da sociedade civil em torno de um plano de reformas constitucionais, econômicas e políticas, incluindo a reforma dos partidos políticos”, diz o deputado, que já ocupou ainda o cargo de ministro de Defesa da Suécia.
Von Sydow esteve no olho do furacão da crise brasileira, à frente de uma delegação parlamentar da Comissão de Constituição sueca que visitou Brasília no momento em que o PMDB desembarcava do governo.
Sua avaliação é de que o atual processo de impeachment em curso contra a presidente Dilma Roussef é um conflito essencialmente político, que exige portanto soluções políticas:
“Um impeachment significa depor uma presidente eleita democraticamente. E o que aconteceria depois? Quem assumiria a presidência, quando vários dos próprios atores políticos envolvidos no processo de impeachment são investigados por corrupção? A situação pode sair ainda mais fora de controle”, observa o deputado sueco, para quem o ex-presidente Lula poderia desempenhar um papel agregador para a unificação do país, “como fez Nelson Mandela na África do Sul”.
Björn von Sidow também espeta indiretamente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha:
“Não se pode sentar naquela cadeira e liderar a instituição, ignorando as acusações feitas dias após dia, mês após mês”.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida no espartano gabinete de 24 metros quadrados do deputado no Parlamento sueco, onde sua única regalia é um aparelho de TV dos anos 80.
Quais são suas impressões sobre sua visita ao Brasil, em meio a uma das mais graves crises políticas já enfrentadas no país?
BJÖRN VON SIDOW: O conflito político no Brasil é extremamente alarmante. Por outro lado, ele representa uma oportunidade ideal para convocar os partidos políticos e a sociedade a realizar uma ampla e positiva agenda de reformas no país. Porque a situação é de tal maneira caótica, que os partidos políticos devem perceber que nenhum deles é forte o suficiente para encerrar a crise sem o apoio dos demais. É necessário um amplo pacto político para alcançar um consenso de união nacional. E é o momento para mobilizar também diferentes setores da sociedade civil em torno de um plano de reformas constitucionais, econômicas e políticas, incluindo a reforma dos partidos políticos. Além, é claro, de tratar do problema da corrupção, que parece ser um problema cultural no Brasil. Mas é preciso também notar os aspectos extremamente positivos do Brasil. Notei, por exemplo, que o país tem uma extraordinária liberdade de expressão. O Brasil não é a China. O Brasil não é a Rússia. Também notei que os protestos e manifestações ocorrem sem episódios de violência, o que é um sinal bastante positivo. Outro aspecto positivo é que o Exército descarta intervir na política, conforme nos foi inclusive dito durante nossa visita a uma base militar em Manaus. A polícia federal e os promotores também têm independência para investigar. Portanto, o Brasil já fez avanços importantes no caminho para realizar as reformas de que necessita.
Como alcançar um consenso político para uma ampla agenda de reformas, diante de um sistema partidário fragmentado e altamente polarizado?
BJÖRN VON SIDOW: A Suécia atravessou uma situação semelhante de ruptura, de certa forma, durante a crise econômica dos anos 90. Naquela época, o país enfrentava uma combinação de inflação crescente, altas taxas de juros e baixa produtividade. Percebeu-se então que era imperativo reformar elementos importantes não apenas da política econômica, mas da própria política e do sistema democrático. O governo criou então uma comissão especial para estabelecer os princípios de uma reforma abrangente, a chamada Comissão Lindbeck [presidida por Assar Lindbeck, professor emérito de economia da Universidade de Estocolmo]. Esta comissão reuniu um painel de especialistas da área acadêmica, incluindo economistas e cientistas políticos, que definiram uma agenda de 113 reformas a serem implementadas. E a agenda foi cumprida. É interessante notar que a Suécia também tinha um governo de minoria naquela época. E como se sabe, governos minoritários necessitam negociar todo o tempo.
Também é preciso haver disposição dos partidos de oposição para buscar tal consenso para a governabilidade, como ocorre na realidade sueca.
BJÖRN VON SIDOW: Alcançar um consenso nunca é uma tarefa fácil. Mas os atores políticos brasileiros precisam compreender o que está em jogo no Brasil. O país tem forças verdadeiramente democráticas e respeitáveis, mas o que está em jogo é uma crise política que mergulha o país indefinidamente na ingovernabilidade. O maior problema, a meu ver, é que os partidos políticos brasileiros são demasiadamente superficiais. Há troca-troca de legendas, há partidos demais, há legendas sem representação, há partidos e políticos sem qualquer ideologia. Uma democracia necessita de um sistema partidário baseado em princípios ideológicos, formado por políticos com interesse genuíno em ideologias políticas. É preciso, assim, criar um novo e verdadeiro sistema político-partidário no Brasil, que facilitaria, dessa forma, a busca de um consenso duradouro e vital para governar o país.
Qual seria a fórmula ideal para a concertação de um pacto de união nacional?
BJÖRN VON SIDOW: Em minha opinião, há dois amplos processos a serem cumpridos: o primeiro deles é um amplo programa de reformas, a partir de uma agenda de mudanças definida por uma comissão de especialistas. Penso que a presidente Dilma Roussef deveria convidar para a mesa de debates não apenas os diferentes partidos políticos, mas também setores da sociedade civil, ONGs e especialistas como cientistas políticos, sociólogos e também antropólogos. O segundo passo seria um processo fundamental de valorização da ética, com a criação de um novo compasso ético para mudar os valores culturais e reduzir a corrupção no país, através de campanhas de educação e reeducação moral. Além de uma reforma política real, já que a corrupção germina no atual sistema político.
Como o senhor vê uma eventual participação do ex-presidente Lula no governo?
BJÖRN VON SIDOW: Não quero tecer julgamentos sobre as divergências em torno da indicação do ex-presidente Lula para o governo. Mas penso que, especialmente antes de ser convidado para integrar o ministério, o ex-presidente teria o potencial de atuar como um agente agregador a fim de unificar e pacificar o país. Assim como fez Nelson Mandela, ao unificar a África do Sul. Espero que, se Lula conseguir ultrapassar o caos atual, ele possa atuar nesse sentido, junto aos demais líderes políticos e também junto aos setores menos favorecidos da população, em nome dos quais ele foi eleito por duas vezes. O momento exige um debate sobre valores, tanto por parte da esquerda como da direita. E exige união entre os pólos divergentes.
Como o senhor vê o o atual processo de impeachment em curso?
BJÖRN VON SIDOW: Não posso evidentemente emitir um julgamento embasado sobre essa questão. Mas me parece que o processo de impeachment em curso é um processo mais político do que jurídico. Há um conflito entre duas legalidades: de um lado, a presidente, eleita com uma plataforma de viés mais esquerdista, e de outro as duas casas do Legislativo, mais alinhadas politicamente à direita. E há fortes divergências sobre a legalidade constitucional dos argumentos para promover um impeachment. Parece tratar-se portanto de um conflito essencialmente político, de uma luta política dos partidos de direita para afastar a presidente. A batalha ideológica é parte fundamental da atual crise. Por isto, é preciso buscar soluções políticas, através de um amplo consenso em torno de um pacto nacional. O que seria provavelmente mais fácil, na atual situação, do que tentar buscar soluções jurídicas. Um impeachment significa depor uma presidente eleita democraticamente. E o que aconteceria depois? Quem assumiria a presidência, quando vários dos próprios atores políticos envolvidos no processo de impeachment são investigados por corrupção? A situação pode sair ainda mais fora de controle.
Qual foi a reação da delegação sueca no Brasil ao saber que o presidente do Congresso, Eduardo Cunha, se mantém no cargo e conduz o processo de impeachment da presidente Dilma, apesar de ser réu na Operação Lava Jato?
BJÖRN VON SIDOW: Isso é muito estranho para nós, é claro, mas cabe aos brasileiros julgar seus próprios políticos. O importante é observar que isto é sinal de que o problema do Brasil é basicamente estrutural. A origem do problema está no próprio sistema político atual do país. Conversei com deputados e senadores brasileiros, que me disseram que pelo menos cem parlamentares são profundamente corruptos. Cabe às cortes julgar, mas é preciso lançar um olhar mais profundo sobre a questão da necessidade de reformar o sistema político.
O senhor presidiu o Parlamento sueco entre 2002 e 2006. Caso tivesse sido acusado de alguma prática corrupta, quanto tempo poderia ter permanecido no cargo?
BJÖRN VON SIDOW: O presidente do Parlamento sueco é eleito por um período de quatro anos, e não pode ser deposto através da votação de um impeachment. Mas diante de qualquer suspeita de crime ou falta de decoro, as exigências morais e as críticas dirigidas contra o presidente, incluindo por parte de seu próprio partido, seriam de tal dimensão que ele se sentiria obrigado a renunciar ao cargo de imediato.
Mesmo antes da comprovação de eventuais denúncias contra ele?
BJÖRN VON SIDOW: Sim. Porque seria impossível para um político presidir o Parlamento sem ter plena autoridade moral para tal. Não se pode sentar naquela cadeira e liderar a instituição, ignorando as acusações feitas dias após dia, mês após mês.
Mais da metade dos integrantes da comissão especial do impeachment na Câmara é acusada de corrupção. Como vê este fato?
BJÖRN VON SIDOW: É uma situação extremamente negativa, e indica que o Brasil ainda não é uma democracia plenamente consolidada em relação ao seu sistema político. O país tem excelentes alicerces democráticos, mas ainda tem alguns maus alicerces. Um deles é exatamente o fato de que a Constituição tem pouca legitimidade no país, uma vez que ela é violada por políticos acusados de corrupção.
Na Operação Lava Jato, o juiz Sergio Moro foi aplaudido por parte da população mas também criticado por integrantes da Suprema Corte por divulgar grampos de conversações telefônicas entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Gravar e divulgar conversas envolvendo lideranças políticas seria permitido na Suécia, que é famosa por sua ampla lei de transparência?
BJÖRN VON SIDOW: Em primeiro lugar, a interceptação telefônica de qualquer autoridade ou qualquer cidadão suspeito de crime na Suécia deve ser previamente autorizada por uma banca formada três juízes de primeira instância. A sessão secreta para aprovar a solicitação de grampeamento feita por um promotor também conta com a presença de um ombudsman público, que atua em sigilo para proteger os interesses da pessoa a quem se pretende grampear. A decisão é dos juízes. Mas se o ombudsman entender que não há fundamento suficiente nas alegações do promotor para solicitar o grampo, ele pode levar o caso para as instâncias superiores, até a Suprema Corte.
Quando aprovado o grampeamento, é permitido divulgar publicamente os áudios das gravações?
BJÖRN VON SIDOW: Os princípios que garantem a transparência são extremamente fortes na Suécia. Mas de novo, a decisão de divulgar as gravações precisa ser autorizada por uma bancada integrada por três juízes, em um processo que é acompanhado por um ombudsman público. Cabe à corte julgar o equilíbrio entre a procedência de divulgar conversas grampeadas, e a proteção à integridade pessoal do indivíduo grampeado. Esta regra vale tanto para as autoridades públicas, como para qualquer cidadão que tenha suas conversas interceptadas por decisão judicial.
A discussão sobre a politização do Judiciário tem sido um tema frequente na crise atual. Qual é a sua visão?
BJÖRN VON SIDOW: O perigo da partidarização do judiciário é que os juízes passam a ser vistos como entes semi-políticos. E a sociedade passa a perder a confiança nas cortes de justiça, o que é extremamente prejudical para a democracia. Juízes devem se ater à proteção do Estado de direito e dos direitos humanos.
Seu partido passou oito anos na oposição antes de voltar ao poder, em 2014. Qual é o papel da oposição em uma democracia?
BJÖRN VON SIDOW: Em primeiro lugar, o papel da oposição é manter a conscientização da população sobre o que os representantes do poder público estão fazendo em seu nome, e formular políticas alternativas. Em segundo lugar, e eu diria que de forma ainda mais importante, a oposição política de um país precisa ser responsável. Em outras palavras, a oposição deve fazer oposição, deve criticar o governo, mas também deve negociar com o governo e participar ativamente da adoção de políticas necessárias ao bem-estar da sociedade, colocando os interesses do país acima de seus interesses partidários.
Qual será o desfecho da crise política no Brasil, em sua opinião?
BJÖRN VON SIDOW: Espero que possa ser alcançado um amplo pacto nacional. Porque no momento atual, ninguém tem o poder de controlar a situação-limite que se impôs no país. E nenhum dos atores da crise tem o poder de controlar sozinho os efeitos que poderão ser deflagrados por este tamanho caos político. Caso não haja consenso político, provavelmente haverá novas eleições. Mas as pesquisas de opinião não parecem indicar um quadro significativamente diferente do atual.
Artigo produzido para o DCM
10 de Abril de 2016
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