Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo
Em uma histórica investigação parlamentar sobre as ações do governo sueco no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, o primeiro-ministro Stefan Löfven subiu à tribuna do plenário nesta segunda-feira (26) para ser interrogado pelos deputados que integram o Comitê de Constituição do Parlamento da Suécia (KU).
Durante quase quatro horas de interrogatório, o primeiro-ministro sueco enfrentou uma artilharia de perguntas referentes à estratégia geral de combate ao Covid-19 e à responsabilidade do governo pelas diferentes medidas adotadas no curso da crise sanitária.
Um dos objetivos centrais das interpelações do comitê de deputados é determinar se o governo de Stefan Löfven dirigiu de fato o país durante a pandemia – ou se delegou esta responsabilidade, de forma passiva, às autoridades da Agência Nacional de Saúde da Suécia (Folkhälsomyndigheten).
Segundo a Constituição, o governo tem o dever de liderar o país e as ações das agências estatais. Mas o Partido Moderado questiona se isto tem de fato ocorrido, ou se as decisões sobre a estratégia sueca diante da crise do Covid-19 foram, na prática, delegadas inteiramente às autoridades de saúde.
“A pandemia abalou o nosso país e a nossa sociedade. Não há dúvidas de que a Suécia foi fortemente atingida”, disse o premiê, ao abrir a sessão com uma apresentação inicial das medidas adotadas pelo governo.
Ao contrário de medidas mais rígidas, como o lockdown, a dissonante estratégia sueca atraiu a atenção mundial ao priorizar uma abordagem mais flexível e sustentável – mas que também incorporou, gradativamente, ações mais restritivas a fim de promover o distanciamento social e a contenção da pandemia.
Em resposta a uma indagação do deputado Mikael Strandman, do partido da extrema-direita Democratas da Suécia, o primeiro-ministro negou de forma veemente que a obtenção da imunidade de rebanho tenha sido parte da estratégia sueca. “Não, jamais, jamais”, disse Löfven.
Segundo ele, o foco central da estratégia tem sido proteger a vida e a saúde das pessoas e conter a disseminação do vírus através da adaptação das medidas de controle em diferentes estágios, a fim de não sobrecarregar o sistema de saúde e evitar um colapso.
“O conhecimento e a ciência têm sido as diretrizes de todo o processo”, sublinhou Löfven. Sempre presidido por um partido da oposição, o Comitê de Constituição do Parlamento sueco tem como missão supervisionar as ações do governo. O comitê é integrado por 17 deputados de todos os partidos políticos representados na casa.
Durante a sessão, o primeiro-ministro também foi questionado sobre se um fechamento total da sociedade teria produzido efeitos mais favoráveis. “Não vemos um padrão entre lockdown total e êxito (no combate à pandemia)”, argumentou o premiê. Ele mencionou países que adotaram estratégias diferentes e foram gravemente afetados pela pandemia – entre eles Grã-Bretanha, Alemanha e Bélgica.
Responsabilização
No plenário, a deputada Jessica Wetterling (Partido da Esquerda) quis saber em que grau o governo se baseou nas avaliações das autoridades de saúde durante a pandemia. “A Agência Nacional de Saúde é a autoridade especializada nesta questão. Seria um grave delito não ouvir as autoridades de saúde”, respondeu Löfven.
Löfven também foi interrogado sobre temas como a relativamente tardia decisão de proibir a visitação nos asilos, atrasos na aplicação de testes e a falta de equipamentos de proteção em hospitais e casas de repouso no início da pandemia.
As interpelações agora em curso no Comitê de Constituição do Parlamento são resultado de uma ação do conservador Partido Moderado, que tomou a inusitada decisão de solicitar a investigação das ações de todo o governo de coalizão social-democrata no curso da pandemia.
“Todo o governo, incluindo o primeiro-ministro e seus ministros, é responsável pela implementação da estratégia de contenção da pandemia. Portanto, todos devem ser interrogados pelo Comitê de Constituição”, destacou Tobias Billström, deputado do Partido Moderado e autor do pedido de investigação do comitê do Parlamento sobre as ações do governo diante da crise.
O processo foi iniciado no dia 24 de abril, com depoimentos já prestados por diversas autoridades.
“Comissão do Corona”
Em paralelo às interpelações no Comitê de Constituição do Parlamento, prosseguem os trabalhos da comissão independente que desde o ano passado investiga, de forma abrangente, as medidas tomadas para fazer frente à disseminação da Covid-19 na Suécia.
Instituída pelo governo em junho de 2020, a Comissão do Corona (Coronakommissionen) é integrada por uma notória equipe de cientistas, professores eméritos e pesquisadores.
O plano inicial do governo era iniciar o processo apenas ao final da pandemia, a fim de concentrar os esforços nas ações de combate ao vírus. Mas o primeiro-ministro Stefan Löfven se viu obrigado a ceder às pressões de partidos políticos, que exigiram a instalação imediata da comissão de investigação.
A primeira conclusão da comissão, divulgada em dezembro passado, foi de que tanto o governo atual como governos anteriores são responsáveis pelo fato de que os asilos de idosos estavam insuficientemente equipados para enfrentar a crise imposta pelo coronavírus.
Uma crítica específica foi direcionada ao atual governo, que, segundo a comissão, tomou de forma tardia a decisão de impôr a proibição de visitas nos asilos. Em consequência de falhas nos asilos – incluindo falta de equipamentos como balões de oxigênio – e atendimento médico insuficiente, os idosos representam a maioria das vítimas fatais da Covid-19 no país.
As conclusões finais da comissão de investigação deverão ser apresentadas até fevereiro de 2022, e também deverão ser incorporadas ao trabalho do Comitê de Constituição do Parlamento (KU).
Mortes
Com uma população de 10,3 milhões de habitantes, a Suécia registra 13.923 mortes e 938.343 contaminações confirmadas. A taxa de mortalidade do país é muito superior à de seus vizinhos nórdicos, que praticaram uma política de isolamento mais rígida.
A Noruega tem até o momento 736 vítimas, a Finlândia 903, e a Dinamarca 2.476. Por outro lado, a Suécia contabiliza um número de vítimas inferior ao de uma série de outros países que adotaram o lockdown, como Grâ-Bretanha, Itália, França, Bélgica, Alemanha, Espanha, Holanda e Portugal.
De acordo com os números da universidade americana Johns Hopkins, referência nas estatísticas globais da pandemia, a Suécia ocupa a 31ª posição no ranking de países com o maior número de mortes causadas pela Covid-19 por milhão de habitantes. O Brasil ocupa a 14ª posição.
Apesar de lojas, restaurantes e cafés terem permanecido abertos desde o início da pandemia, o governo fechou escolas do ensino médios, universidades e museus, além de recomendar o trabalho remoto.
Gradativamente, uma série de restrições foram introduzidas, como a obrigatoriedade do uso de máscara nos transportes públicos, a proibição de encontros públicos de mais de oito pessoas, a limitação a quatro pessoas por mesa em restaurantes e bares, e a proibição de venda de álcool depois de oito e meia da noite.
Atualmente, o governo vem sendo fortemente criticado pela associação de professores suecos, que exige a adoção de medidas concretas nas escolas – como o uso obrigatório de máscaras – para garantir a segurança dos professores.
26 de Abril de 2021