Natal na Islândia tem 13 Papais Noéis malandros e trolls que devoram crianças malcriadas

Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo

A Islândia tem não apenas um, e sim 13 Papais Noéis. Na singular tradição natalina do país nórdico, trata-se de um grupo de trolls, que nas 13 noites que antecedem o Natal visitam as casas islandesas para levar às crianças pequenos presentes – ou batatas podres para aquelas que se comportam mal durante o ano.

Os 13 trolls de Natal (Jólasveinar) são filhos da ogra Grýla, que no imaginário islandês costuma comer criancinhas desobedientes. Seu marido, Leppalúði, a ajuda a raptar crianças e levá-las ao gigantesco caldeirão onde são transformadas em sopa. Para completar esta família disfuncional, há o monstruoso gato preto Jólakötturinn, o Gato de Natal – que devora os pequenos que não usam uma peça de roupa nova na celebração das festas de fim de ano.

A ogra Grýla é mãe dos 13 Papais Noeis, e ela rapta crianças para fazer sua sopa © Divulgação

Originalmente, os trolls de Natal eram seres bestiais, sórdidos e asquerosos, que segundo o folclore islandês roubavam e atormentavam a população. Durante séculos, eles foram usados para amedrontar crianças a fim de torná-las mais obedientes aos pais: dizia-se que os Jólasveinar e sua família medonha desceriam das montanhas onde vivem para ir atrás dos pequenos que se comportassem mal antes do Natal.

Tão aterradora era a figura de Grýla para as crianças, que no século XVIII o Parlamento islandês proibiu o uso da sua lenda como forma de impor o medo. As crianças deixaram de ser ameaçadas de serem devoradas, e passaram a receber batatas podres caso se mostrassem desobedientes.

Embora não tenham herdado a natureza assassina da mãe, os 13 trolls islandeses sempre inspiraram medo nos pequenos – e até mesmo em grande parte dos adultos, que durante muito tempo acreditaram na existência dos trolls e em seus atos malignos praticados na escuridão noturna.

Só no início do século XX a versão moderna do Papai Noel entrou em cena na Islândia, como um espécie de primo distante dos trolls. Os antes malévolos trolls, por sua vez, foram gradativamente se tornando cada vez mais ´civilizados´ e benevolentes. Nos tempos modernos, sua imagem foi largamente sanitizada, e alguns trolls já aparecem até com roupas semelhantes às do Papai Noel tradicional para entreter as crianças no período natalino.

 

Os 13 trolls natalinos por muito tempo foram temidos pelas crianças © Divulgação

 

Sapato na janela

Treze dias antes da véspera do Natal, como reza a lenda, os trolls começam a deixar as montanhas distantes onde vivem. A cada noite, um deles visita as casas islandesas. E as crianças colocam um sapato no parapeito da janela, antes de se deitarem, na esperança de receber um presente.

Os Jólasveinar se transformaram em uma extensão do Papai Noel tradicional e do sistema de avaliação e recompensa: crianças que foram boazinhas durante o ano ganham doces ou pequenos brinquedos. Às desobedientes, restam as batatas.

Mas mesmo as menos comportadas aguardam os mimos dos trolls – hoje em dia, é menos provável que os modernos pais islandeses coloquem batatas nos sapatos de suas crianças como um sinal de punição.

Produziu-se, enfim, uma espécie de abrandamento do sinistro folclore natalino islandês: na origem, os trolls eram na verdade um bando de marginais. Nos tempos modernos, eles viraram até um hit da cantora islandesa Björk.

As 13 noites dos trolls

Na noite do dia 12 de dezembro, o mais velho e primeiro troll a descer das montanhas em direção às cidades é Stekkjastaur, uma espécie de “Ladrão do Curral” que adora leite, e por isso rouba o leite das ovelhas.

Antigamente, durante o inverno, os islandeses costumavam manter seus animais em abrigos subterrâneos debaixo de suas casas, e quando ouviam berros e sinais de agitação entre os bichos, era sinal de que Stekkjastaur estava por lá.

O próximo troll a deixar as montanhas é Giljagaur, outro ladrãozinho que gosta de aterrorizar currais de gado e beber leite das vacas. Embora apenas os islandeses mais abastados possuíssem gado bovino, os mais pobres viviam nas terras dos ricos, e assim todos eram afetados pelo terror do troll.

No dia 14 de dezembro é a vez de Stúfur, o “Atarracado” – assim chamado por ser o mais baixo dos trolls, embora não menos apavorante. Tem apetite insaciável e é o ladrão de panelas e frigideiras, que antigamente eram artigos caros e importados: entre as famílias mais pobres, eram os bens mais valiosos.

Depois de Stúfur vem Þvörusleikir, o “Lambedor de Colher”. É o troll que invade as casas para lamber os restos de comida na noite de 15 de dezembro. Conforme a lenda, Þvörusleikir costumava chupar o dedo quando era uma criança, mas diante das broncas da mãe passou a lamber colheres. Para as crianças, a menção a Þvörusleikir sempre foi um aviso de que elas devem lavar suas colheres depois de comer.

E em seguida chegam Pottaskefill, o “Lambedor de Panelas”, e Askasleikir, o “Lambedor de Tigelas”. Acredita-se que Pottaskefill possa ter sido criado a fim de incentivar as crianças a comerem toda a sua refeição: restos de comida podem atrair o troll, sempre à espreita. Como nos velhos tempos os alimentos tinham que ser preservados para durar até o fim dos longos invernos islandeses, qualquer tipo de desperdício deveria ser evitado.

Já Askasleikir é conhecido pelo hábito de lamber restos de comida do “askur” (um tipo de tigela de madeira que mantém a refeição aquecida), e sintetiza a alegoria do monstro debaixo da cama: é ali que o troll se esconde, à espera de que as crianças terminem de comer sua sopa noturna ou sobremesa.

Ketkrókur usa um gancho para roubar as carnes que estão sendo preparadas para a ceia de Natal. © Reprodução

O sétimo Jólasveinn do Natal islandês é Hurðaskellir, o “Batedor de Portas”. Como o nome diz, sua travessura preferida sempre foi tocar o terror nas cidades batendo o máximo de portas possível, a fim de acordar as famílias.

No dia 19 de dezembro é a vez de Skyrgámur, o “Comilão do Skyr”. Skyr é um iogurte típico da Islândia, que o troll adora roubar das cozinhas das casas.

Depois dele vem Bjúgnakrækir, o “Ladrão de Salsicha”. “Bjúgu” são salsichas defumadas preparadas pelos islandeses, e todo cuidado é pouco na noite de 20 de dezembro: Bjúgnakrækir se esconde no teto das casas, de onde se lança em saltos-relâmpago para fisgar as salsichas.

No dia seguinte chega Gluggagægir, o “Espiador de Janelas” e velho bisbilhoteiro, eternamente em busca de algo para roubar das casas. Já seu irmão Gáttaþefur, o “Farejador de Portas”, tem um nariz descomunal que usa para descobrir e em seguida roubar biscoitos, bolos e pães – especialmente o laufabrauð, um pão islandês típico do período natalino.

A noite de 23 de dezembro traz Ketkrókur, o “Gancho de Carne”, que usa um longo gancho para surrupiar as carnes que estão sendo preparadas para a ceia de Natal. No dia anterior à ceia, os islandeses costumam comer “hákarl”, um tubarão fermentado de odor repugnante.

Finalmente, na véspera do Natal é a vez da visita de Kertasníkir, o “Ladrão de Velas” e último dos 13 papais noéis. Ele é o troll que rouba velas das crianças para comê-las: nos velhos tempos, as velas eram fabricadas com gordura animal.

Gato de Natal pelas ruas da Islândia © Reprodução

Livros: tradição de Natal na Islândia

A essa altura, os islandeses se dedicam a outro fenômeno cultural: após a ceia de Natal, as famílias costumam passar o resto da noite lendo os livros que ganharam de presente.

Com pouco mais de 360 mil habitantes, a Islândia tem um dos maiores índices de leitura e de livros publicados per capita do mundo, e em dezembro acontece o já célebre Jólabókaflóð, o “dilúvio dos livros de Natal”. Pelas estatísticas oficiais, dois entre cada três islandeses recebem livros de presente na noite de Natal.

A partir de 25 de dezembro, os 13 Jólasveinar começam a partir de volta para suas cavernas nas montanhas, assim como seus pais e o diabólico Gato de Natal – que também chegou a ter um poema musicado em sua homenagem pela cantora Björk.

23 de Dezembro de 2020

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