Por Claudia Wallin, para a BBC Brasil
O fim do dinheiro de papel já é uma morte anunciada na Suécia: até 2030, as cédulas e moedas deverão virtualmente desaparecer no país, que lidera a tendência global em direção à chamada “cashless society” – a sociedade sem dinheiro. A projeção é do Banco Central sueco.
É o prenúncio de uma nova era, dizem os especialistas. A previsão é de que, no futuro, as economias modernas serão dominadas pelo uso do cartão e da moeda eletrônica em escala mundial.
Na Suécia, a transformação é visível. Cada vez mais suecos usam cada vez menos o dinheiro de papel, nesta sociedade em que os pagamentos já são feitos majoritariamente via cartão, celular e variados meios eletrônicos. E na capital sueca, cresce o número de restaurantes e lojas que estampam o aviso: “Não aceitamos dinheiro”.
Novos dados do Banco Central sueco indicam que as transações em dinheiro representam, atualmente, apenas 2% do valor de todos os pagamentos realizados na Suécia – contra uma média de cerca de 7% no restante da Europa.
Com base nestes dados, a Sveriges Radio (rádio pública sueca) chegou a decretar a morte iminente do dinheiro para daqui a cinco anos: se mantido o ritmo atual indicado agora pelo Banco Central, segundo a rádio, as projeções apontam que já em 2021 o percentual de utilização do dinheiro na Suécia deverá cair para menos de 0.5%.
Já o Banco Central sueco prefere adotar um tom mais cauteloso.
“Cerca de 20% dos pagamentos efetuados no comércio varejista ainda são feitos em dinheiro. Nossa avaliação é que o dinheiro continuará a circular na Suécia até aproximadamente o ano de 2030”, disse à agência sueca de notícias TT o porta-voz do Banco Central, Fredrik Wange.
A expectativa é de que a Suécia deverá ser o primeiro país do mundo a abolir o dinheiro de papel.
“Os novos números do Banco Central confirmam uma tendência que cresce a cada ano no país”, disse à BBC Brasil o analista Bengt Nilervall, da Federação Sueca do Comércio (Svensk Handel).
“A Suécia continua à frente do resto da Europa, em relação à redução do uso do dinheiro do papel. E principalmente dos Estados Unidos, onde cerca de 47% dos pagamentos ainda são feitos em dinheiro”, acrescenta Nilervall, que destaca os avanços dos vizinhos nórdicos, Noruega e Dinamarca, na mesma direção.
Em diversas lojas e diferentes setores de serviços da Suécia, mais de 95 por cento dos pagamentos são feitos com cartão.
Nos ônibus de Estocolmo, há tempos já não se aceita dinheiro. A tarifa deve ser paga com cartões pré-pagos ou via SMS, e basta mostrar ao motorista o celular com a mensagem que confirma o pagamento. Taxistas aceitam qualquer cartão.
Também cresce o número de comerciantes que aceitam apenas cartão como pagamento.
“Toda semana, a Federação do Comércio sueca recebe telefonemas de comerciantes que perguntam se é legalmente permitido não aceitar dinheiro como pagamento. E é”, diz Nilervall.
Até no quiosque de flores do bairro de Odenplan, no centro da capital sueca, um aviso foi colado: “Preferência para pagamentos em cartão”. Feirantes e ambulantes também se adaptam à tendência cashless, e trabalham equipados com leitores portáteis de cartões.
Um estudo recente da empresa de serviços financeiros Visa indica que os suecos usam seus cartões com uma frequência três vezes maior do que a maioria dos europeus.
Novas tecnologias e aplicativos de pagamento via celular também vêm sendo desenvolvidos com rapidez colossal. Entre as novidades mais recentes está o aplicativo Swish, que acabou criando um novo verbo na língua sueca: “swishar”, que significa transferir dinheiro via celular.
Para “swishar” dinheiro para outro usuário, basta digitar no celular o número de telefone da pessoa ou empresa a quem deseja transferir uma quantia, seguido por um código de segurança. A transação se dá em tempo real: em questão de segundos, pisca no celular de quem recebeu o dinheiro a mensagem de que a quantia entrou em sua conta bancária.
O sistema Swish foi implementado nos seis maiores bancos da Suécia, como um método rápido e simples de transferência de dinheiro entre pessoas e empresas.
O avanço tecnológico é apontado como uma das razões que explicam a liderança da Suécia no movimento em direção à cashless society:
“Os bancos e o comércio investiram maciçamente em sistemas de pagamentos eletrônicos na Suécia a partir da década de 90, e hoje em dia os consumidores estão acostumados a usá-los”, diz Niklas Arvidsson, professor de Dinâmica Industrial do Real Instituto de Tecnologia da Suécia (KTH).
E os principais bancos da Suécia vêm simplesmente parando de lidar com dinheiro: cerca de 75% de suas agências já operam sem dinheiro – com a única exceção do Svenska Handelsbanken.
Ladrões de banco vão se tornando, assim, personagens do passado. O número de roubos a agências bancárias vem atingindo o índice mais baixo dos últimos 30 anos, segundo a Associação dos Bancos sueca. Em 2014, de acordo com relatório publicado na página oficial na internet do Conselho Nacional Sueco para a Prevenção do Crime (Brottsförebyggande rådet – Brå), foram registrados no total 23 assaltos a banco no país.
Para os bancos, as vantagens de uma futura sociedade sem dinheiro são evidentes. Em primeiro lugar, ela traria mais segurança para funcionários e clientes. E também eliminaria os altos custos de gerenciamento e transporte de dinheiro, estimados em cerca de 8,7 bilhões de coroas suecas – o equivalente a 0.3% do PIB sueco.
Para os críticos da tendência, o aumento das transações digitais também representa o crescimento potencial de fraudes e riscos de segurança bancária, além do fato de que idosos e outros segmentos da sociedade têm acesso limitado a opções de pagamento eletrônico.
A associação nacional dos aposentados suecos (Pensionärernas riksförbund – PRO) está preocupada com o ritmo da transformação.
“Isso está acontecendo a uma velocidade furiosa”, disse na reportagem da rádio sueca a presidente da associação, Christina Tallberg. “E é importante para muitos idosos ter o direito de continuar a usar o dinheiro de papel, assim como para novos residentes do país, imigrantes e muitos outros que têm dificuldades para utilizar cartões”.
Mas apesar de a Suécia ter lançado no ano passado uma nova coleção de cédulas, que inclui a efígie da atriz sueca Greta Garbo na nota de cem coroas, o fim do dinheiro parece um caminho sem volta.
“Voltar aos tempos do dinheiro de papel não é uma alternativa na Suécia. Fora de questão”, diz Bengt Nilervall.
“Se eu acredito que a Suécia não terá no futuro nenhum dinheiro em circulação? Bem, não. Mas com certeza o uso do dinheiro será drasticamente reduzido.”
Em 1661, as primeiras cédulas de papel da Europa foram introduzidas pelo Stockholms Banco, o embrião do Banco Central da Suécia. Agora, ironicamente, os suecos vão se tornando os primeiros do mundo a desprezar o dinheiro vivo.
Agosto de 2016