Vereadores de Recife ganham R$ 3 mil por mês só para comer. Quem paga é o cidadão

RADAR BRASIL

Insaciável é o apetite dos representantes do povo em Recife: o auxílio-alimentação dos vereadores é quase nove vezes maior do que o valor da cesta básica na capital pernambucana.

Por mês, cada um dos 39 vereadores recifenses tem direito a exatos R$  3.095,86, valor que não é descontado do contracheque de R$ 15 mil (valor bruto) que cada um recebe –  por mês, o benefício custa à Câmara R$ 120,7 mil e, por ano, R$ 1,4 milhão. Tudo sem precisar prestar contas sobre os gastos. Da mesma forma, nenhum vereador precisa prestar contas do auxílio-combustível, que é de cerca de R$ 2 mil por mês.

Veja neste vídeo como vivem os vereadores da Suécia: assim como em grande parte dos países do mundo, vereadores suecos não têm direito sequer a a salário – e muito menos a alimentação paga com o dinheiro dos contribuintes. Na Suécia, nem os deputados regionais  recebem salário: a nível municipal e regional, a representação política na Suécia é considerada uma atividade a ser exercida em paralelo a um emprego remunerado, de onde todo político deve tirar seu próprio sustento.”Na Suécia, a função de vereador é considerada um trabalho voluntário”, diz Hanna Brogren, Diretora de Comunicação da Prefeitura de Estocolmo.

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Do Diário de Pernambuco:

Vereadores do Recife têm direito a R$ 3 mil para gastos com alimentação

O que você faria se tivesse à disposição, todos os meses, R$ 3 mil para gastos com alimentação, além do salário? A cifra é uma realidade para os vereadores do Recife desde o ano de 2006. Enquanto a maior parte dos recifenses, assim como os demais brasileiros, precisa readequar seu orçamento para garantir a feira do mês, os legisladores da capital pernambucana desfrutam de uma situação privilegiada, se consideramos a delicada situação da economia nacional.

Por mês, cada um dos 39 vereadores recifenses tem direito a exatos R$  3.095,86, valor que não é descontado do contracheque de R$ 15 mil (valor bruto) que cada um recebe –  por mês, o benefício custa à Câmara R$ 120,7 mil e, por ano, R$ 1,4 milhão. Com essa quantia, os parlamentares podem destinar o que acharem adequado entre as duas modalidades disponíveis: refeição, para uso do legislador em restaurantes, e alimentação, na qual são contabilizados gastos em supermercado para uso exclusivo no gabinete. Vale salientar que cada gabinete pode ter, no máximo, 23 assessores.

É aí onde está o principal problema. Os gastos com alimentação para os gabinetes incluem comidas não preparadas, como açúcar, água, bolacha, café, entre outros. Naturalmente, além de atender a equipe de cada vereador, os alimentos também são destinados aos cidadãos que visitam as salas. No entanto, os vereadores que recebem o benefício não precisam prestar contas dos gastos realizados.

Para se ter uma ideia, caso o vereador divida igualmente o valor a que tem direito entre as despesas com refeição e alimentação, seria possível gastar R$ 1.547,93 em cada modalidade. Com essa quantia, poderiam ser comprados 455 litros de leite (veja quadro) para abastecer cada gabinete. Para consumir toda essa quantidade, levando em consideração que o brasileiro ingere, em média, 350 ml do produto por dia (estimativa feita pelo IBGE em 2011), seriam necessárias que 1.300 pessoas, entre funcionários e visitantes, tivessem transitado por cada gabinete, todos os meses.

O vereador Jayme Asfora (PMDB), que abriu mão do benefício desde que assumiu o mandato, em 2013, não poupa críticas à forma como o valor é repassado. “É uma maneira indireta de aumentar a remuneração, de ter uma complementação salarial, e eu não acredito que isso seja transparente”. O vereador conta que os demais parlamentares recebem o valor todos os meses, mas não precisam prestar conta sobre os gastos. “Desde a época em que eu era presidente da OAB-PE, sempre critiquei esse tipo de remuneração indireta. Então, não seria coerente da minha parte receber esse benefício”.

COMBUSTÍVEL
O peemedebista revela que os vereadores também não precisam prestar contas do auxílio-combustível, que é de aproximadamente R$ 2 mil mensais. “Lá, você recebe o vale-alimentação e vale-combustível e gasta aquele valor sem nenhuma ligação com função indenizatória”.

A reportagem do Diario entrou em contato com a Câmara do Recife para tirar dúvidas a respeito do benefício. Por meio da assessoria de imprensa, a Casa de José Mariano informa que auxílio-alimentação foi instituído a partir da lei 17.276/2006.  “A medida estabelece que o  benefício seja destinado a subsidiar despesas com refeição e alimentação dos servidores e parlamentares deste Poder Legislativo, quando no exercício de suas funções”, diz a nota enviada. A Casa não esclareceu se o benefício é cumulativo de um mês para o outro, caso o vereador não gaste toda a quantia.

Sobre a forma como foi calculado, a Câmara informa que a quantia foi reajustada para o valor atual em 2008, “obedecendo ao critério exposto de até um terço do subsídio do parlamentar – à época, R$ 9.287,57”. Além de Jayme Asfora, não se sabe se outros vereadores também abriram mão do benefício. A Casa ainda afirmou que “todas as informações estão devidamente publicadas no Diário Oficial do Município e constam no site da Câmara Municipal do Recife”, mas o Diario não achou no Portal da Transparência os gastos referentes ao benefício. Procurado pela reportagem, o presidente Vicente André Gomes (PSB) não foi localizado até o fechamento desta edição.


A VERBA
Auxílio alimentação

R$ 3.095,86
é quanto os vereadores do Recife recebem pelo benefício

R$ 353,78
é o valor da cesta básica no Recife*. O auxílio é quase nove vezes maior

R$ 880
é o valor do salário-mínimo. O benefício pago aos legisladores recifenses é três vezes e meia maior

R$ 186
é o preço médio de um tanque de gasolina no Recife**. O auxílio alimentação pago é suficiente para encher mais de 16 tanques e meio

23
é a quantidade de cargos comissionados a que cada vereador tem direito

Levando em consideração que o vereador divida igualmente o benefício entre gastos com refeição e alimentação (R$ 1.547,93), seria possível abastecer cada gabinete com***:

84 pacotes de café de 300g
ou
539 quilos de açúcar
ou
455 litros de leite
ou
83 a 777 caixas de chá
ou
125 a 535  adoçantes de 100 ml
ou
443 a 819 pacotes de cream cracker (400g)

*dado divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) referente ao mês de maioe
**levando em consideração um tanque de 50 litros (capacidade média) e o preço médio da gasolina na capital pernambucana, que segundo a Agência Nacional do Petróleo é de R$ 3,72
*** no caso do café, açúcar e leite, os valores de referência utilizados foram de R$ 18,28/pacote, R$ 2,87/kg e R$ 3,40/l, respectivamente, conforme preço médio divulgado pelo Dieese em maio. No caso dos outros itens, o valor foi levado em consideração a partir de pesquisa de preço feita pela reportagem em um supermercado do Recife na última quarta-feira. Para o cálculo, foram utilizados os preços mínimos e máximos encontrados: R$ 1,99 a R$ 18,5 (caixa de chá); R$ 2,89 a R$ 12,25 (adoçante); R$ 1,89 a R$ 3,49 (cream cracker)

 

24 de Julho de 2016

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