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CRÔNICAS DA ESCANDINÁVIA
Por Claudia Wallin
“Morte, impostos e parto – não existe nenhum momento conveniente para nada disso”, já disse a romancista americana Margaret Mitchell em “E o Vento Levou”. Mas fazer a declaração de renda na Suécia tornou-se uma tarefa fácil, rápida e tão mundana quanto enviar uma simples mensagem de texto via celular.
Quinze minutos: é esse o tempo que a maioria dos suecos leva em média para declarar o imposto de renda. A declaração já chega ao contribuinte previamente preenchida pelas autoridades fiscais, através de um sofisticado sistema de cruzamento de dados financeiros, bancários e patrimoniais do contribuinte. Basta então ao cidadão conferir os dados e enviar um simples SMS à Receita Federal sueca, a fim de oficializar a entrega da declaração.
“Só preciso de cinco minutos”, diz o brasileiro Fillipe Carvalho, que vive na Suécia. “Como a declaração já chega preenchida pelas autoridades fiscais e sempre está correta, tudo que eu necessito fazer é pegar meu celular e enviar um SMS ao Skatteverket (a Receita Federal sueca), confirmando os dados do meu imposto de renda”.
O sistema sueco funciona através de um poderoso banco de dados concentrado na Receita Federal: a cada mês de janeiro, todos os bancos, empregadores, instituições financeiras e até síndicos de condomínios devem enviar à autoridade fiscal informações detalhadas sobre dados como taxas de lucro, fundos de aplicação, empréstimos, bens, propriedades e salários pagos ao contribuinte.
Todas as informações e cálculos são então processados para o contribuinte, que recebe sua declaração de renda pré-preenchida tanto via correio como através do site da Receita Federal.
“Um sistema de imposto de renda deve ser simples para o cidadão, e principalmente justo”, resume Johan Schauman, um dos diretores da área de desenvolvimento de sistemas da Receita Federal sueca.
Desde a década de 90, a palavra de ordem da autoridade fiscal sueca tem sido simplificar a vida dos contribuintes, e facilitar a arrecadação de tributos. Em 1995, o Skatteverket começou a distribuir as declarações de renda já preenchidas – deixando à maior parte dos contribuintes a única tarefa de conferir, assinar e enviar.
A partir de 2002, foram lançados os serviços eletrônicos que permitem ao contribuinte receber a declaração de renda pré-preenchida, adicionar ou alterar informações e formalizar a entrega via computador, telefone, SMS ou através do app da Receita Federal.
A base do sistema é a informação detalhada sobre a vida financeira dos contribuintes. O Skatteverket concentra os dados sobre cada cidadão desde o berço: quando uma criança nasce na Suécia, o hospital informa a Receita Federal, que registra o nascimento e emite um número de identidade para o bebê. É o chamado personnummer (“número pessoal”), necessário para qualquer atividade praticada pelo cidadão no país.
“Sabemos qual é o salário de um contribuinte e quanto ele contribuiu na fonte, se ele vendeu ou comprou um imóvel, se tem aplicações financeiras, se tem dinheiro em seguro de capital, e assim por diante. Se um contribuinte paga pensão privada a bancos ou empresas de seguro, o que é passível de dedução no imposto, também fazemos este cálculo. Se um contribuinte obtém lucro com venda de ações, o banco ou instituição financeira em questão também tem a obrigação de informar a Receita Federal”, explica o diretor do Skatterverket.
Do universo de 7.6 milhões de contribuintes suecos em 2015, um total de 5.6 milhões enviaram suas declarações de renda através de uma simples confirmação dos dados pré-preenchidos pela Receita Federal – que pode ser feita via SMS, telefone, no app ou no site da autoridade fiscal.
“Se o contribuinte for por exemplo dono de uma empresa, como é o caso de 1.3 milhão de suecos, ele poderá ter que enviar informações adicionais. Mas também enviamos a ele a declaração de renda básica, pré-preenchida com as informações que recebemos das diferentes instituições de nosso sistema”, diz Johan Schauman.
Não há muito espaço para fraude, ele afirma:
“Temos acesso a uma imensa gama de informações, e podemos realizar cálculos eletrônicos para detectar imprecisões e incoerências, e investigar e questionar se necessário.”
O sistema também se vale de um frenético cruzamento de dados em relação às circunstâncias do mercado: se o mercado de ações teve alta de 4% em determinado período, por exemplo, os analistas da Receita Federal sueca levantam a sobrancelha para qualquer contribuinte que tenha declarado perdas. Na mesma linha de raciocínio, empresas que operam no mesmo setor têm seus dados comparados.
Mas pode-se confiar nas informações prestadas pelos bancos?
“Quando estive certa vez em Portugal, explicando nosso sistema para o diretor da autoridade fiscal portuguesa, ele me perguntou, um tanto perplexo, exatamente isso – ‘o que? vocês confiam nos bancos?’”, conta Schauman.
“Minha resposta foi que nosso sistema se alicerça em boas relações com os bancos, e em uma sociedade estável, baseada em um forte grau de confiança. A confiança social é um dos elementos-chave da sociedade sueca. Então, construímos também relações de confiança com os bancos, a fim de permitir a colaboração das instituições bancárias com a autoridade fiscal. Mas o Skatteverket também têm meios poderosos para controlar e verificar, sistematicamente, se as informações que os bancos nos dão são corretas. E eles sabem disso.”
Mais importante que o poder de controlar a arrecadação de impostos, porém – destaca Schauman -, é a forma como a Autoridade Fiscal sueca exerce esse controle.
“Nos anos 80, quando detectávamos alguma imprecisão na declaração de um contribuinte, enviávamos a ele longas cartas escritas em linguagem burocrática. Decidimos mudar aquilo. Passamos a nos comunicar com o contribuinte com uma linguagem de fácil entendimento, e de forma a fazê-lo sentir confiança no sistema. Quanto telefonamos para um contribuinte, nosso foco principal é buscar a compreensão de um eventual problema, e não fazer o contribuinte sentir-se ameaçado”, diz Johan Schauman.
A ideia central é não tratar os contribuintes como se fossem fraudadores em potencial.
“Partimos do pressuposto de que a maioria dos contribuintes quer fazer a coisa certa”, enfatiza Schauman. “E trabalhamos de forma constante e consistente para elevar o grau de confiança da população na autoridade fiscal.”
A estratégia tem produzido resultado: 83% dos suecos dizem ter confiança na Receita Federal, neste país em que pagar impostos é considerado comprar civilização.
Em média, a carga tributária na Suécia é de cerca de 45% do Produto Interno Bruto (PIB). Quem ganha menos, paga apenas os impostos municipais – que variam em torno de 30%, dependendo do local onde a pessoa vive. Quem tem rendimentos mais elevados, paga também os impostos federais, com alíquotas de até 25% sobre determinadas faixas de rendimento.
O imposto sobre o consumo é alto para todos: a taxa de valor agregado, da ordem de 25%, incide sobre a compra de alimentos e a maioria dos produtos e serviços em geral.
Em contrapartida, todos têm direito a serviços públicos de qualidade – como saúde e educação gratuita até à universidade -, e a uma ampla rede de proteção social que vai do berço ao túmulo.
“Nosso contrato social se baseia no consenso de que aqueles que ganham mais, contribuem com mais impostos para o bem-estar da sociedade como um todo. Quem tem rendimentos mais elevados, portanto, contribui com mais impostos, porque isto é importante para se construir uma sociedade justa.
A prática de se cobrar menos para não fornecer recibo, comum no Brasil entre profissionais liberais e prestadores de serviços, seria segundo ele impensável na Suécia:
“Se um dentista sueco oferecesse um preço menor pela consulta para não dar recibo, o paciente ficaria furioso. E diria a ele, ‘você não está contribuindo para as nossas escolas, a nossa polícia, os nossos hospitais e todos os serviços de que precisamos em nossa sociedade’”.
Em tese, diz Schauman, qualquer pessoa é capaz de burlar o sistema e cometer uma fraude na declaração. Mas um indivíduo é menos inclinado a burlar o fisco quando ele confia no sistema fiscal e político de um país, observa ele:
“A confiança da população, tanto na justiça das autoridades fiscais como no uso que os políticos farão de seu dinheiro, é fundamental para a eficiência do sistema tributário de uma sociedade”, observa Schauman.
Uma ditadura pode construir mecanismos de controle sobre uma sociedade, mas nunca será capaz de construir relações de confiança, observa Johan Schauman. Um governo repressivo pode tentar caçar e punir cada fraude fiscal do contribuinte – “mas isto será sempre um caminho mais difícil”, pondera Johan Schauman:
“O mais importante para um sistema de arrecadação fiscal é a percepção dos contribuintes de que o sistema, como um todo, é justo”.
30 de Abril de 2016