Por que o ABBA já foi odiado na Suécia

Claudia Wallin

De Estocolmo para a Rádio França Internacional

Com a crítica já dividida entre o aplauso e a decepção, a lendária banda pop sueca ABBA lança nesta sexta-feira (5) seu novo álbum, Voyagedepois de um intervalo de quase quatro décadas. O ressurgimento do quarteto, que também fará um show virtual no próximo ano, causou comoção entre fãs no mundo inteiro. Mas o que poucos sabem é que o ABBA já foi odiado dentro do próprio país: para as correntes mais radicais da progressista Suécia dos anos 70, gostar de ABBA era politicamente incorreto.

A partir de 1968, com a radicalização dos processos de luta política em várias partes do mundo, teve início na cena musical sueca um movimento conhecido como “proggen” – uma abreviação do termo progressista. O movimento surgiu em reação à produção musical dominante na época, considerada comercial e reacionária.

proggen atingiu seu auge nos anos 70, na mesma época em que o ABBA ganhava fama mundial ao vencer em 1974 o Eurovision, o festival europeu da canção, com a música Waterloo. E o quarteto pop passou a ser alvo de uma campanha de ódio movida pelos adeptos da corrente progressista.

Nas páginas dos suplementos culturais dos jornais, simpatizantes da esquerda progressista acusavam o ABBA de promover uma “lavagem cerebral comercial”. A música produzida pela banda era definida como idiotizante, falaciosa e comercial.

“Éramos acusados de seguir uma fórmula, de ser uma fábrica de hits comerciais”, disse Björn Ulvaeus, um dos integrantes do ABBA, em entrevista ao jornal Svenska Dagbladet.

“Diziam até que o fato de a banda ser formada por dois casais era uma jogada de marketing. Um absurdo. Quando se ouve nossas músicas, elas são tão diferentes. Testamos todos os estilos possíveis, e não sabíamos o que fazia as pessoas gostarem tanto delas. Ficávamos machucados quando diziam que fazíamos nossas músicas por mera especulação comercial”, acrescentou Ulvaeus.

O novo álbum do grupo ABBA "Voyage" foi colocado em uma loja de discos em Estocolmo na véspera do lançamento oficial neste dia 5 de novembro de 2021.
O novo álbum do grupo ABBA “Voyage” foi colocado em uma loja de discos em Estocolmo na véspera do lançamento oficial neste dia 5 de novembro de 2021. Jonathan NACKSTRAND AFP

Críticas ainda abalam vocalistas

Ingmarie Halling, que acompanhou a banda em diversas turnês e hoje é diretora criativa do Museu do ABBA na capital sueca, diz que as críticas ainda abalam por exemplo uma das vocalistas do grupo, Anni-Frid Lyngstad.

“Anni-Frid me disse há alguns anos que ainda sentia uma pontada no coração, ao lembrar de quando pessoas diziam a ela que gostavam dos discos do ABBA, mas que os escondiam”, disse ela ao Svenska Dagbladet.

O que marcava as músicas do proggen eram as mensagens políticas progressistas, com ácidas críticas à guerra do Vietnã – e principalmente ao capitalismo. Bandas como Blå Tåget, Nynningen e Hoola Bandoola apareceram como uma alternativa à música comercial priorizada pelas gravadoras. Muitas adotaram técnicas experimentais, e buscaram valorizar e desenvolver a música popular sueca.

Mas era o ABBA que vendia mais discos – o proggen era essencialmente um fenômeno midiático, diz Björn Ulvaeus.

“O movimento não chegou a nos afetar, porque estávamos totalmente focados no que estávamos fazendo. Mas é claro que sabíamos que muitos pensavam que, se estávamos vendendo tantos discos, isso era algo suspeito. Mas não esqueça que havia uma outra Suécia: tivemos por exemplo, em 1977, pré-vendas de 760 mil cópias de “ABBA – The Album”. As críticas foram periféricas”, destacou Ulvaeus certa vez na mídia sueca.

O AABA se tornaria uma das bandas de maior sucesso da história da música, com hits como Super trouper, Dancing queen Mamma Mia.

“Quanto mais popular o ABBA se tornou, mais o grupo passou a ser odiado pelo movimento cultural de esquerda, para quem o tipo “errado” de música estava conquistando o coração das pessoas – uma música apolítica e feliz”, diz o jornalista David Nyström, do jornal Gefle Dagblad.

Depois da vitória do ABBA em 1974 no Eurovision, a Suécia se tornou a anfitriã do evento no ano seguinte. Formou-se então uma espécie de ‘frente anti-comercial”, que contou com o apoio de entidades como o Conselho Sueco de Artes (Kulturrådet), o Comitê de Cultura de Estocolmo, a associação de produtores da rádio pública sueca (Sveriges Radio) e a maioria das organizações musicais do país.

“Não foi, portanto, um movimento apenas popular: ele contou com apoio maciço também da Suécia oficial”, ressalta Nyström.

Um festival alternativo de música foi então organizado em 1975 sob o slogan “luta contra a comercialização da cultura”, em claro protesto contra o Eurovision. E a TV pública sueca transmitiu os dois eventos – o Festival da Canção europeu, e o Festival Alternativo de Estocolmo (Stockholm Alternativfestivalen).

proggen perderia força nos anos 80, enquanto o ABBA escolhia sair de cena em pleno auge. Com mais de 385 milhões de discos vendidos, o quarteto se transformou no maior fenômeno musical da Suécia. O ABBA também inspirou inúmeros jovens suecos a cantar, produzir e escrever músicas – o que tornou a Suécia o terceiro maior exportador de música do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.

Benny Andersson, Björn Ulvaeus, Anni-Frid Lyngstad e Agnetha Fältskog formaram o grupo em 1972, e se separaram dez anos depois. O nome ABBA é uma combinação das iniciais dos nomes dos seus integrantes, que hoje têm idades entre 71 e 76 anos.

Críticas “dissonantes”

O inesperado novo álbum da banda, Voyage, contém dez músicas inéditas. As primeiras reações da crítica foram dissonantes: para a revista Rolling Stone, “valeu a pena esperar 40 anos”: o novo álbum “evoca os dias em que os deuses nórdicos dominavam o rádio”. Já o jornal britânico estampou em sua manchete: “Não, obrigado, pela música”, em alusão ao antigo hit da banda “Thank you for the music” (“Obrigado pela música, em tradução literal).

A Sveriges Radio, rádio pública sueca, disse que “faltou audácia” – mas que é a boa música do ABBA “em sua mais pura forma”. Já o jornal Dagens Nyheter, o maior da Suécia, deu nota máxima ao novo álbum, que classificou como uma obra-prima.

Além do lançamento do novo álbum, a banda fará uma série de shows virtuais em Londres, no próximo ano, com o uso de avatares – apelidados de “Abbatars”.

As versões digitais dos integrantes do ABBA foram criadas após meses de trabalho do quarteto diante de 160 câmeras, para que cada movimento pudesse ser registrado com perfeição. Seus movimentos foram capturados por uma equipe que envolveu centenas de técnicos da Industrial Light & Magic, empresa de efeitos especiais criada pelo diretor e roteirista George Lucas.

Intitulado “ABBA Voyage”, o concerto virtual tem estreia marcada para 27 de maio na ABBA Arena, um espaço de última geração criado sob medida na capital britânica para o espetáculo, com capacidade para 3 mil pessoas.

A série de shows deverá ser o último capítulo da história do ABBA.

Em entrevista esta semana ao jornal sueco Dagens Nyheter, Benny Andersson negou que o ABBA possa voltar mais uma vez para lançar novas músicas inéditas.

“Não. This is it (‘é isso’, em tradução literal).

5 de Novembro de 2001

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