Claudia Wallin, Correspondente da RFI em Estocolmo
A terceira Conferência Global da ONU sobre Segurança no Trânsito foi aberta nesta quarta-feira (19), em Estocolmo, com um chamado aos países-membros para a adoção de medidas destinadas a reduzir as mortes no trânsito em pelo menos 50% até 2030.
Entre as principais recomendações da Declaração de Estocolmo está o controle da velocidade no trânsito, incluindo a meta de estabelecer um limite máximo de 30 km por hora em áreas de maior concentração de usuários vulneráveis e veículos – exceto se houver “fortes evidências” de que velocidades acima deste limite possam ser adotadas com segurança.
A cada ano, os acidentes de trânsito causam a morte de mais de 1,35 milhão de pessoas em todo o mundo, além de 50 milhões de feridos – e segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os acidentes são a principal causa de morte entre crianças e jovens com idade entre 5 e 29 anos.
“É preciso trabalharmos juntos para compartilhar experiências sobre a imposição de leis relacionadas a riscos comportamentais como excesso de velocidade, beber e dirigir e não utilizar cintos de segurança, cadeiras adaptadas para crianças e capacetes de motocicleta, além da implementação de iniciativas comprovadas para mitigar tais riscos, que podem salvar centenas de milhares de vidas”, diz a declaração da conferência, que terá duração de três dias.
Ministros de Estado de 80 países e cerca de 1.700 representantes de 140 nações participam da conferência, que é co-patrocinada pela OMS. O Brasil está representado por uma delegação chefiada por Marcello da Costa, secretário nacional dos Transportes Terrestres.
Brasil
Na Europa, cerca de 25 mil pessoas perdem a vida a cada ano em acidentes de trânsito. Em todo o mundo, segundo a ONU, cerca de 90 por cento dos acidentes ocorrem em países em desenvolvimento.
O Brasil é, segundo dados da OMS, o quarto país com mais mortes no trânsito – atrás de China, Rússia, Índia e Estados Unidos. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, em 2017 foi registrado um total de 35,3 mil mortes.
“É preciso observar que a frota de veículos dos Estados Unidos é muito maior, com cerca de 120 milhões de carros a mais do que a frota brasileira”, disse em entrevista à RFI Francisco Garonce, diretor da entidade civil Observatório Nacional de Segurança Viária, e que também participa da conferência de Estocolmo.
Nas rodovias federais, a média mensal de vítimas chegou a aumentar quando o governo Jair Bolsonaro determinou a suspensão do uso de radares móveis, em agosto de 2019, a fim de evitar o que classificou como ‘indústria de multas”.
Segundo dados da PRF (Polícia Rodoviária Federal) compilados pela organização SOS Estradas, entre agosto e outubro do ano passado o número de mortes aumentou 2%, e o de feridos 9,1%.
“Hoje, a Polícia Rodoviária Federal está utilizando os radares móveis, que foram suspensos temporariamente”, afirma Francisco Garonce. “O problema é que muitos radares foram instalados fora das normas previstas pela legislação, por exemplo atrás de árvores. É papel do Ministério Público determinar a regularização”, acrescenta ele.
Em junho do ano passado, o governo Bolsonaro também apresentou proposta para acabar com as multas aplicadas a quem transporta crianças de zero a sete anos sem a cadeirinha adaptada. Mas segundo Francisco Garonce, a proposta foi retirada do projeto de lei 3267, que propõe mudanças no Código de Trânsito brasileiro e que deverá ser votado na Câmara nas próximas semanas.
“O governo também queria mudar a exigência de exame toxicológico dos condutores, que verifica o consumo de drogas e não permite a renovação da carteira caso ele seja detectado. Mas a proposta do governo também não prosperou, e não está incluída no projeto de lei 3267”, afirma Garonce. Segundo ele, o Brasil enfrenta um desafio gigantesco.
“As declarações de Bolsonaro (sobre suspensão de radares e da obrigatoriedade da cadeirinha) não ajudam. Mas temos também diversos técnicos, e não apenas políticos, que estão envolvidos na tentativa de melhorar a segurança no trânsito”, diz Garonce.
“Não considero que vivemos um retrocesso. É um caminhar. Na última década, melhoramos em aspectos como a fiscalização e as exigências em relação ao uso de dispositivos de segurança como o airbag, e discutimos atualmente um programa abrangente de educação para o trânsito nas escolas”, acrescenta ele.
Sobre a declaração do presidente Jair Bolsonaro, que defendeu a retirada dos radares pelo “prazer de dirigir”, Garonce observa que a sociedade como um todo precisa abraçar a causa por maior segurança no trânsito.
“Pode-se perder o prazer de dirigir livremente, mas ganha-se em vidas”, diz ele. “O ideal é alcançar velocidades de 30 km por hora, para que ninguém mais morra no trânsito. “Segundo o diretor do Observatório Nacional de Segurança Viária, um dos principais desafios do Brasil é a segurança dos motociclistas.
“Por exemplo, no Norte e no Nordeste do Brasil o número de vítimas causadas por acidentes com motocicletas já ultrapassa a quantidade de pedestres mortos em acidentes de trânsito”, ele enfatiza.
Lições da Suécia
A Suécia, país anfitrião da Conferência Global da ONU sobre Segurança no Trânsito, apresenta um dos melhores níveis mundiais de segurança no trânsito. No ano passado, foi registrada uma queda recorde no número de mortes: 223 vítimas.
A experiência sueca mostra que iniciativas robustas podem reduzir de forma considerável o número de vítimas fatais no trânsito: desde 1966, segundo dados do Ministério sueco dos Transportes, o índice de mortes foi reduzido em quase 80%. Esta tendência positiva se deveu a melhorias graduais na infraestrutura e na segurança dos veículos, assim como na introdução de limites mais rígidos de velocidade e de consumo de álcool para quem dirige.
Em 1997, o Parlamento sueco aprovou o programa Visão Zero, que tem como meta final eliminar as mortes no trânsito. Segundo estatísticas mais recentes do Ministério sueco dos Transportes, entre 2000 e 2018 o número de mortes apresentou uma queda de 52%. Em 2018, foram registradas 3.2 mortes no trânsito a cada 100 mil habitantes, em comparação com 6.7 mortes no ano 2000. Na União Europeia, a média registrada em 2018 foi de 4.9 mortes a cada 100 mil habitantes.
Em 2016, o Ministério dos Transportes iniciou uma abrangente revisão dos limites de velocidade, com a meta de elevar ainda mais a segurança no trânsito. Os limites foram reduzidos de 90 para 80 quilômetros em diversas vias; em áreas próximas a escolas, o limite máximo de velocidade é de 50 quilômetros por hora.
Outra iniciativa sueca foi a introdução de regras rígidas contra o consumo de álcool por parte dos motoristas. Na Suécia, o limite máximo aceitável de concentração de álcool no sangue é de 0,2 g (dois decigramas) por litro de sangue. Isso significa que um motorista pode ser processado se beber apenas o equivalente a menos de uma lata de cerveja, e a polícia sueca faz uma fiscalização frequente e rigorosa.
E através de equipamentos instalados em todos os táxis e caminhões do país, motoristas só podem acionar a ignição após fazerem o teste do bafômetro. Motoristas suspeitos de dirigir sob influência de drogas são obrigados a fornecer amostras de sangue ou saliva para análise.
O uso de cintos de segurança é compulsório na Suécia desde 1975 nos assentos dianteiros dos veículos, e a partir de 1896 tornou-se compulsório também nos assentos traseiros. O uso de cadeiras especiais para crianças também é mandatório desde 1988.
Entre os ciclistas, também é obrigatório o uso de capacetes para crianças menores de 15 anos de idade, e cerca de 70% cumprem a lei. Crianças suecas do pré-escolar também são obrigadas a usar coletes fluorescentes durante passeios escolares.
A cifra é menor entre os ciclistas adultos – apenas 30% usam o capacete, dado que levou o governo sueco a estabelecer a meta de elevar a utilização para 70%.
Declaração de Estocolmo
Anunciada na Conferência Global de Alto Nível da ONU sobre Segurança no Trânsito, que foi aberta pelo rei sueco Carl Gustaf XVI, a Declaração de Estocolmo afirma que a previsão de um total de até 500 milhões de mortes em todo o mundo entre 2020 e 2030 “é uma crise evitável, que para ser evitada vai exigir um maior e mais significativo empenho político, liderança e ações abrangentes em todos os níveis na próxima década”.
Além da recomendação para a redução dos limites de velocidade, a Declaração de Estocolmo chama a atenção para a necessidade de garantir que todos os veículos produzidos e vendidos em todos os mercados até 2030 sejam equipados de forma a assegurar níveis apropriados de prevenção de riscos.
O comunicado recomenda ainda acelerar a transição rumo a meios mais seguros e sustentáveis de transporte, e promover maiores níveis de atividade física, como caminhar e pedalar.
A Declaração de Estocolmo também propõe a convocação da primeira Conferência de Alto Nível da ONU sobre Segurança no Trânsito a nível de chefes de Estado e de governo, a fim de mobilizar lideranças nacionais e estreitar a colaboração internacional para alcançar as metas de segurança global.
A cada dois anos, a Assembléia Geral da ONU adota uma resolução sobre segurança no trânsito. Esta é a terceira Conferência Global de Alto Nível da organização sobre Segurança no Trânsito. A primeira foi realizada em 2009, em Moscou, e a segunda no Brasil, em 2015.
Entre as iniciativas positivas do Brasil, a adoção de medidas consistentes para salvar vidas no trânsito deu à cidade de Fortaleza em 2018 o prêmio global de Transporte Sustentável (Sustainable Transport Award), concedido anualmente pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento por meio de um comitê de especialistas do Banco Mundial e de diversas outras organizações internacionais.
Segundo a prefeitura, houve uma redução de 35% na taxa de mortalidade no trânsito de 2010 a 2017, com 9,7 mortes a cada 100 mil habitantes. Entre as iniciativas citadas para a concessão do prêmio, estão a implantação de 108 km de corredores de ônibus exclusivos, e a expansão da rede cicloviária em mais de 240%.